Textos e contextos das minas aos gerais: Linguagem e Literatura na Educação Camponesa

Lídia Costa 

Vagner Luciano de Andrade

De caipira a sertanejo, muitos são os adjetivos conferidos aos camponeses, muitos deles carregados de preconceito e exclusão. Isto é fato, em todo o Brasil, de leste a oeste, de norte a sul. Minas Gerais é a metade do caminho brasileiro entre caipiras e sertanejos, num contexto de reafirmação da cultura campesina e das territorialidades a ela associadas. Muitas pessoas  consideram o mineiro “legítimo” como aquele residente na capital e numa circunferência de 200 km ao seu redor, numa área conhecida como Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte. 

Nesta região, lamentavelmente, a devastadora mineração e a crescente urbanização tecem riscos e rabiscos na paisagem cultural. Além da singularidade geográfica e do contexto histórico, destaca-se a questão do sotaque mineiro ou “minerês”, Assim, no entorno da sexta maior cidade do Brasil, que mesmo tendo mais de dois milhões de habitantes ainda é bem provinciana há uma mistura de roça e cidade, fazendo de Beagá uma verdadeira goiabada com queijo. Mas, e as outras regiões do estado, será que apresentariam distinções temporais ou transições culturais? Digamos que há particularidades nas mais diversas direções dos diferentes estados limítrofes. 

Mas, nada chama mais a atenção que o Norte Mineiro e o Vale do Jequitinhonha, com distâncias superiores a 600 km, mundos culturais à parte que compõem a riqueza da Mineiridade. Passou de Conceição do Mato Dentro, Itabira e Sete Lagoas, saiu das Minas e entrou nas Gerais. O Norte de Minas, muitas vezes, é equivocadamente considerado um mundo à parte, algo desconhecido ou a se conhecer entre Bahia e Minas Gerais. Destas paisagens, desde os tempos coloniais brotam diamantes e histórias que encantam. 

Pioneiramente coube ao Grande e Imortal João Guimarães Rosa (1908-1967) mostrar ao mundo, os cantos, encantos e recantos dessa região meio baianeira, ou seja, meio baiana e meio mineira, chamada de Gerais. Perfis biográficos do autor, o resumem um geraizeiro autêntico, fruto de uma profunda imersão naquele mundo cultural sertanejo. Assim, embora o escritor tenha andado por muitas localidades das “gerais”, outros sertões ainda estão por serem descobertos. Neste contexto, insere-se Grão Mogol, cujas histórias, passadas de geração em geração, inspiram encantamento e despertam letras que eternizam. Região ímpar, apresenta um pouco dos cenários, da gente, da vida desta cidade inigualável, confirmando sua mineiridade e mostrando ao mundo, o glamour do tempo presente, este eterno diamante a inspirar sonhos e a sondar mundos afins. 

A vida rotineira e as paisagens rurais permitem o acesso a sentimentos, questionamentos e indagações de forma criativa. São as nuances artísticas camponesas que se vertem em linguagem e literatura. E a literatura educa de forma interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar. Quanto ao uso da linguagem geraizeira, uma mistura entre baiano e mineiro é uma forma de mostrar a cultura geraizeira de Grão Mogol, enquanto paisagem e lugar de referência no norte de Minas Gerais, com suas tessituras. Destacar no âmbito da educação camponesa, a cidade de Grão Mogol, é valorizar a poesia local explicitada através de causos, pessoas e lugares. 

Contudo, falar em educação e em literatura é falar em espaços educativos que transcendem a realidade escolar. Neste aspecto, o curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMG, instituído em 2009, forma docentes para agirem em escolas campesinas. Ele acolhe pessoas de distintos segmentos socioambientais do campo e proporciona opcionalmente quatro habilitações: 1ª – Ciências da Vida e da Natureza; 2ª – Línguas, Artes e Literatura; 3ª – Matemática e 4ª – Ciências Sociais e Humanidades. Durante o curso, o estudante concretiza parte das atividades na UFMG (TE – Tempo Escola) e parte na própria comunidade onde lecionará (TC – Tempo Comunidade). Evidentemente grande parte dos discentes que se formam nestes cursos, originam-se do Norte Mineiro, evidenciando a legitimação da identidade camponesa geraizeira.

No passado, o educador camponês era docente de classes multisseriadas, e agora os diferentes conteúdos se encontram compartimentados para a formação do discente sertanejo. Mas como unificar aquilo que se fragmentou? Como entrelaçar Artes, Ciências da Vida, Ciências Sociais, Humanidades, Línguas, Literatura, Matemática e Natureza? Se na sala de aula, os camponeses têm aulas distintas por áreas do conhecimento, como promover a formação plena? 

Neste contexto, destaca-se a biblioteca escolar, um espaço no qual se espera promover o acesso à leitura de qualidade, de forma a contribuir na formação de leitores. A biblioteca realiza a visitação pública e o empréstimo de livros de diferentes tipos. Poemas e poesias de diferentes títulos ampliam e incentivam a imaginação, a criatividade e a reflexão. Assim evidenciam-se as palavras, enquanto elementos que possibilitam a experiência da leitura, estimulando a formação de leitores, contribuindo também para a sua formação como cidadãos com criticidade. 

Em tempos de modernidade, a biblioteca incentiva os hábitos de ler outros tipos de leitura, além do habitual (internet). A literatura demonstra através do escrever, o fato de ser/estar no mundo, transpondo tempo e espaço, pois através da escrita que se perpetua e perpassa o saber de geração em geração. Livros retratam e eternizam histórias, dilemas, contextos, particularidades tecidas no dia a dia, tanto do(da) autor(a), quantos dos cenários ímpares por eles(as) observados, ou das paisagens contempladas. 

Para saber mais: 

A biblioteca escolar e a literatura: reflexões sobre a formação de leitores em um curso de extensão


Imagem de destaque: Lídia Costa

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *