No final dos anos 1980 trabalhei no controle financeiro de uma empresa de informática, aqui em Belo Horizonte. A vida seguia com Sarney, Inflação, Collor, Zélia, PMDB, e por aí vai. Inflação com letra maiúscula desafiando todos os orçamentos que deveríamos fazer na empresa e em casa. Quando tinha água, faltava o fubá. E vice-versa. Mas, tínhamos o que comer e como práticos economistas, pais e mães viravam-se para suprir as necessidades da família. Na metáfora do supermercado, proposta pelo atual ministro Nelson Barbosa, o contingenciamento era cruel para o trabalhador, pois não era apenas um caso de remanejamento, mas de cortes. Não na carne, pois há bastante tempo não tinha carne.
Foi por essa época que Fernando Collor e Zélia Cardoso melaram qualquer expectativa e o ippon do presidente derrubou os brasileiros, ao invés da inflação. Cuidava eu da minha vida e do dinheiro daquela empresa de informática, na qual trabalhava em sua equipe financeira. Foi um eterno fazer contas e mais contas para que tudo coubesse nos trocados que Collor de Melo permitia que todos nós usássemos. Exibimos nosso trabalho, executado sob a direção do Administrador financeiro, à Diretoria de Recursos Humanos. Postas as receitas e despesas sobre a mesa, um olhar da Diretora de RH jogou por terra todo o nosso trabalho: aconteça o que acontecer, mantenha os salários e o café dos funcionários, decretou.Voltamos ao nosso trabalho. Reorganizar as finanças.
Cuidar de uma casa é muito difícil. Dirigir uma empresa muito mais difícil. Governar uma cidade, independentemente do tamanho, mais difícil ainda. Mas, algumas coisas são comuns a atividades tão distintas, apesar de todas envolverem recursos econômicos e financeiros. Faltou recursos: o que fazer? A primeira coisa a fazer é conversar e imaginar soluções, com alguns diferenciais. Em uma empresa existe o recurso à demissão de funcionários. Em uma casa ou em uma cidade não se demite pessoas. Portanto, o diálogo deve vir como principal ferramenta para a imaginação das soluções possíveis. Se apenas um detém a informação e acredita pensar o certo, o restante sofre com a má escolha das prioridades, que é a terceira coisa a fazer.
Então, vamos tomar um cafezinho. A falta de diálogo com os servidores públicos de Belo Horizonte ficou patente num simples gesto do prefeito. Cortar o lanche do funcionalismo. Simples, neste caso, também como sinônimo de coisa barata. Apenas o café com alguns biscoitos “pedagógicos”. Mas, de forte simbolismo. Diz um ditado árabe que você pode matar seu inimigo, mas nunca lhe negar a água. É a alimentação dos trabalhadores que se busca atingir. Aqui inclui-se professores e pessoal auxiliar da educação, parte significativa da Comunidade Escolar, que acompanha os estudantes na hora das refeições. A barateza do que já não é oferecido com a qualidade necessária passou a ser um supérfluo na contabilidade pública e, portanto, passível de corte sumário e imediato, sem nenhuma conversa, apenas um comunicado aos Diretores e Diretoras.
Na sexta-feira, dia 08 de abril, a decisão foi revertida. Comunicada aos trabalhadores, por correio eletrônico, às 18h43min. Apenas os trabalhadores noturnos tiveram acesso à informação de imediato.
Porém, vejo isso como um sintoma de algo muito maior: isso demonstra um imenso descuido com toda a cidade, na medida em que mostra a incapacidade de dialogar para priorizar e maximizar aqueles bens coletivos como a educação e a saúde, para ficarmos em apenas dois. O gesto é apenas a continuidade de outras demonstrações da incapacidade de dialogar com a população: como o perdão de 50% das multas aos donos de hotéis que não cumpriram seus prazos conforme previsto na lei 9952/10, ou seja, renúncia de receita; ou a desapropriação do Iate Tênis Clube, decreto 16.229/16, o que significa aporte financeiro ao desapropriado que continuará, ao que nos parece, desfrutando do bem.
São valores e espaços que podem e devem ser usados pelo público, na medida em que pertencem e são devidos a ele. São iniciativas privadas que não tiveram sucesso por incapacidade gerencial de seus proprietários. No caso dos hotéis receberam autorização e financiamento públicos e agora são perdoados; no caso do Iate Tênis Clube, a adulteração de um bem público que agora deverá ser restaurado às expensas dos cofres públicos. Assim, é fácil decretar o fim do lanche nas Escolas. Basta priorizar outras coisas.
Em tempos de fartura é preciso dialogar para preparar o futuro. Em tempos de crise é preciso dialogar para viver o presente e manter-se vivo para o futuro. Senão, não é Governo. Por fim, precisamos nos lembrar todos os dias do poema de Eduardo Alves Costa (1936), No caminho, com Maiakóvsky, do qual transcrevo apenas um trecho, uma vez que é bem conhecido: “Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flordo nosso jardim.E não dizemos nada. ” Tentaram tirar nosso cafezinho. Gritemos isso bem alto!
Dalvit Greiner de Paula – Mestre em Educação (História da Educação) na UEMG e Professor de História da Rede Municipal de Belo Horizonte.