Sobre a política: o que pode, afinal, a educação? – Marcus Aurelio Taborda de Oliveira

Sobre a política: o que pode, afinal, a educação?

Marcus Aurelio Taborda de Oliveira

Apesar de propostas horrendas e claramente retrógradas, como a tal Escola sem Partido que, afinal, queiramos ou não, representa o pensamento de parte da população brasileira, as iniciativas de intervenção do governo golpista são avassaladoras. Seja quando tenta afetar a discussão da Base Nacional Comum Curricular ou interferir “via decreto” na constituição da Comissão Nacional da Verdade, o que se observa é uma sanha autoritária que não se esconde por detrás de nenhuma aura tecnocrática. É pura e simplesmente, intervencionismo! Isso faz pensar que, mais do que as “reformas” econômicas que afetarão a vida da grande maioria da população brasileira, inclusive a parte ensandecida da classe média – sim, porque o 1% mais rico dessa população venceu o jogo! – o atual governo espera afetar, via tacape e golpes legislativos, também os corações e as mentes dos brasileiros. Se assistimos nas últimas décadas alguns avanços – tímidos – em relação ao descalabro que é a desigualdade brasileira, em todas as suas formas, os atuais mandatários não deixam dúvidas que apostam nas trevas, na dissimulação, na disseminação da dúvida e do erro para atingir os seus objetivos. Trata-se de uma guerra sutil contra todas as formas de esclarecimento em nome do obscurantismo que só favorece a poucos.

Um dos aspectos que mais tem chamado a atenção nas polarizações atuais diz respeito à agressividade, na melhor das hipóteses, mas até mesmo à sua violência. Não é possível discutir aqui os motivos dessa explosão de ódio, e isso seria tema para uma equipe muldisciplinar de especialistas em comportamento humano ou, talvez, animal. Também não é o caso de sugerir que pessoas em tese bem “educadas” não seriam agressivas ou violentas. Basta observarmos os inúmeros casos históricos de pessoas de grande capacidade intelectual fomentando e justificando todo tipo de barbárie. Assim, o ideal iluminista para o qual a educação aperfeiçoaria o humano há muito tem estado sob suspeição. Mas chega a ser trágico acompanhar minimamente os argumentos de boa parte daqueles mais raivosos e ressentidos. Isso porque a maior parte desses argumentos está fundada no impressionismo do “eu acho que é assim, e pronto!”. Logo, na ignorância! E aí entra a educação, ou a sua falta, os seus limites.

Por muito tempo se criticou a baixa qualidade da escola pública e se enalteceu a excelência da escola privada, como se ela formasse os melhores quadros do país. A escola pública, produzida para os pobres, não é preocupação da classe média ou dos mais ricos, pois eles mandam os seus filhos para os colégios privados caros, confessionais ou não, que uma certa cegueira induziu a ver como melhores. Quando muito, mandavam os seus filhos para as escolas públicas para “salvar” o seu ano letivo. Como raramente esses colégios vão para a mídia apresentar os seus problemas, e não são avaliados pelo estado, se confundiu a indústria de preparação para o ensino superior, uma máquina de memorizar receitas, como exemplo de qualidade. Os problemas das escolas públicas, que são fundamentalmente de ordem estrutural, passaram a ser argumentos para a sua desqualificação generalizada. Para muita gente pouco importa que a maioria das nossas escolas seja precária, que faltem professores, que a sua remuneração seja vergonhosa, que eles tenham duas ou três jornadas em diferentes instituições, que a sua formação se dê muitas vezes em instituições inidôneas. Esse são problemas dos pobres, pois os mais afortunados protegem os seus filhos dessas mazelas atrás dos muros de instituições tidas como de excelência.

Pois uma observação geral do quadro político nacional nos últimos anos é sugestiva. Se, por um lado, é possível comemorar que o brasileiro médio saiu da sua letargia política, preocupa observar como essa nova participação vem encharcada de preconceito e estupidez. E aí temos que perguntar: que educação é essa que se oferece neste país? Os exemplos pululam: os mais recentes são de um empresário que xinga uma atriz de puta, de uma outra mulher que tem um ataque histérico no meio da rua e grita e agride descompassadamente, ou de um advogado que evoca o “direito constitucional” de hostilizar uma pessoa dentro de um avião e, além de tentar tirar o seu celular. Mas se observamos os comentários expressos na grande imprensa o drama é ainda pior. Ninguém precisa gostar de Chico Buarque ou da música brasileira, mas considera-lo um agente do comunismo internacional beira a sandice. Aliás, acusar o Partido dos Trabalhadores de ser comunista já é signo de uma ignorância absoluta, tanto política quanto histórica. E de memória fraca, pois até mesmo Lula teve que se justificar e reafirmar que nunca foi socialista.

Houve um tempo que essa ignorância era, em discurso, reservada aos mais pobres. Lembram de figuras como João Batista Figueiredo e Pelé dizendo que o povo (leia-se, a gente simples!) não sabe votar? Pois o que dizer de gente que percorreu uma carreira escolar de pelo menos 15 ou 16 anos, se cursou uma faculdade, e não sabe que a corrupção era uma marca registrada da ditadura civil-militar? Que as grandes corporações que hoje estão enfrentando a Lava Jato usufruem do dinheiro público nesse país muito antes de existir uma sigla chamada PT, ou mesmo seu irmão mais rico, o PSDB? Como explicar para quem foi em tese “bem” alfabetizado, que as políticas de isenções fiscais dos últimos governos só beneficiaram as grandes empresas, tais como a indústria automobilística, e não os mais pobres, algo que o pato do presidente da FIESP faz questão de omitir? Ninguém precisa saber o significado da cor vermelha, mas como não achar que é estupidez quando pessoas são agredidas porque usam roupas vermelhas? Ou que a violência brasileira é algo recente, inventada e patrocinada pelo partido apeado do poder? Como discutir com alguém que afirma que a Lei Rouanet é um instrumento de “petralhas” para beneficiar “artista vagabundo” sem saber que ela é ação nascida ainda no governo Collor em prol da cultura, apesar de todas as suas imperfeições? Ou que afirma que a política de cotas derrubou a excelência das nossas universidades públicas, quando o que se mostra é que a sua qualidade continua a mesma? Enfim, que tipo de educação teve quem invectiva contra a cultura, contra a universidade, contra o livre pensamento, sem sequer procurar conhecer aquilo que critica ou agride? Acho isso preocupante e julgo que temos que pensar sobre isso como um problema grave das nossas práticas educativas.

Apesar de tudo isso, acho que temos uma grande oportunidade nas mãos. O ressentimento não se combate apenas com instrução, mas com esclarecimento. Nesse sentido a esquerda precisa fazer a sua autocrítica e o Partido dos Trabalhadores não pode se esquivar da sua responsabilidade por ter criado muitas das condições para o quadro atual da nossa política. Mas o processo de impeachment que acompanhamos recentemente pode ter sido uma boa oportunidade de educação política para este país. Em maio, com aquele festival de horrores da Câmara dos Deputados, transmitido ao vivo para o mundo todo, no qual os nossos “nobres” representantes protagonizaram cenas que só seriam toleradas em festinhas de família. Das suas famílias, por certo! Na semana passada, o jogo de cena do Senado Federal e do seu bufão maior, Renan Calheiros, também foi visualizado por milhões de pessoas que, afinal, pouco entendem que política e teatro andam de mãos dadas.

Logo teremos eleições municipais. E a tomar como base o desejo de poder no presidente usurpador, somente em 2018 poderemos renovar o parlamento nacional. Se continuarmos recheando o nosso parlamento com a escória da sociedade brasileira, muitos golpes, em todos os sentidos, virão. A esperança é que os eventos recentes protagonizados por gente da pior espécie que tem frequentado a Câmara e o Senado, alguns longevos e letais como algumas feras, sirva para que tenhamos aprendido um pouco sobre a grande política e deixemos de invocar líderes, salvadores ou libertadores. Pois a política se faz também no cotidiano, em pequenas ações que deveriam valorizar o interesse da maioria, e afirmam o nosso lugar de agentes políticos, independentemente daquele jogo cujo às regras não temos acesso.

Certamente essa é a melhor maneira de aprender sobre a política e os seus jogos. Diante dela, a educação, no sentido formal, pode pouco. Mas mesmo este pouco parece que tem faltado na nossa forma de viver a política. E se isso, por muitos anos, foi tomado como traço distintivo da população mais simples, hoje parece estar disseminada a ignorância como argumento da luta política. Se renovarmos a possibilidade dessa canalha que aí está continuar definindo os rumos da nossa vida, é difícil não admitir que ignorantes somos todos nós. E aí não teremos o que lamentar além do obscurantismo tornado regra.

 

Torino, Piemonte, 05/09/2016.

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