Ser ou não ser feminista, eis a questão! (Parte 2)

Evelyn Orlando

Como falávamos na semana passada, do jogo de luzes e sombras produzidos no processos de afirmação das mulheres como sujeitos – pauta principal do movimento feminista em sua longa trajetória – identificamos três grupos que, como todo grupo, nada possuem de monolíticos, mas que ajudam a desenhar modos de intervenção política no que tange à temática do feminismo: as subversivas, que faziam questão de confrontar a ordem estabelecida abertamente e, portanto, se identificavam como feministas; as moderadas, que se identificavam com a agenda, mas não queriam ser vistas como subversivas, fosse porque não se identificavam com esse estilo ou porque entendiam que isso lhes custava algumas alianças importantes com instituições como a Igreja, por exemplo; e as conservadoras que, em nome de uma suposta tradição, rechaçavam qualquer coisa que a ameaçasse. Como disse anteriormente, desses três grupos, gostaria de refletir um pouco sobre os dois últimos e seus efeitos. 

Dominando muito bem a arte da política, as mulheres que estou considerando como “moderadas” podem ser lidas como defensoras de um feminismo bem comportado, e implementaram suas agendas. Chegaram aonde muitas outras não conseguiram chegar e, de lá, intervieram na sociedade. 

Um dos efeitos dessa forma de ser feminista foi a não identificação com o rótulo “feminista”. Muitas das mulheres que fundaram instituições importantes na sociedade brasileira, ocuparam cargos no poder público, tiveram uma vasta produção intelectual, se projetaram, tornaram-se referências em diferentes assuntos, tonaram-se sujeitos defendendo a agenda sem defender o movimento. 

Esse silêncio reforçou, em contrapartida, todo o estereótipo produzido pelos setores mais conservadores da sociedade em relação ao movimento feminista. Uma das principais estratégias utilizadas por esses grupos – composto por homens e mulheres – foi associá-lo à falsas ideias, muitas delas contraditórias, inclusive, como “mulheres feministas querem ser como os homens” e “mulheres feministas odeiam os homens” (essas duas representações não fazem o menor sentido, mas curiosamente há pessoas que ainda hoje as repetem). Além disso, também se lançou luz de forma privilegiada mais às ações mais radicais e subversivas do que às agendas. Essa produção discursiva foi intencional e, veiculada como uma ameaça à ordem social (baseada na família patriarcal como uma das representações da “boa sociedade”), serviu eficazmente para frear simpatias e adesões ao movimento. Sombreadas ficaram as agendas do movimento que foram assumindo pautas cada vez mais plurais e representativas das diferentes realidades das mulheres brasileiras. 

É preciso compreender a produção desse estereótipo em relação ao movimento feminista para que consigamos responder à pergunta inicial deste texto. A dificuldade de nos assumirmos como feministas ou não está muito mais relacionada com a eficácia do adestramento ao qual fomos submetidas, que de modo direto ou indireto nos ensinou a rejeitá-lo sem discuti-lo ou compreendê-lo. 

Essa foi uma estratégia muito acertada de quem esteve no controle da narrativa e buscou frear os avanços na direção de uma sociedade incluindo as mulheres como seus sujeitos. O silêncio de quem, entendendo e participando do jogo político, optou pela tática de não se identificar como feminista também produziu seus efeitos. A moderação aqui reforçou o rótulo e produziu no imaginário de gerações de mulheres que, sem perceber o jogo político travado em torno dessa produção discursiva, vêm resistindo a encampar uma luta que lhes representa. 

É preciso desconstruir essa encenação. Dizer “não sou feminista” significa dizer que você concorda que homens tenham mais privilégios que mulheres apenas por serem homens, concorda também que mulheres sejam espancadas e violentadas até a morte apenas por serem mulheres e, como tal, objeto de desprezo de muitos homens, também concorda que mulheres não possam estudar e serem reconhecidas pelo que são porque são inferiores aos homens e se precisarem trabalhar que seja apenas para não morrerem de fome, mas se tivermos que escolher entre uma mulher e um homem para uma vaga de emprego, a vaga será sempre para o homem. Vou parar por aqui porque este texto tem um limite, e acho que esses exemplos são razoavelmente ilustrativos do lado em que nos colocamos ao nos afirmarmos como feministas. Sim, é preciso escolher um lado. O silêncio não é uma opção, porque reforça a narrativa dominante, e esta não têm sido justa com as mulheres ao longo da história.  

Então, como você se vê e se define?


Imagem de Destaque: Galiza ContraInfo

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