Júlia Antunes¹
Karina Rezende²
Desorganizado, incompleto e incoerente. Essas são algumas das características das aulas remotas oferecidas pela Secretaria de Estado de Educação de Minas (SEE-MG) neste contexto de isolamento social. Estudantes, professores e pais mineiros, das mais diversas regiões do Estado, com suas experiências e condições sociais específicas, foram submetidos a um ensino de péssima qualidade, acesso extremamente limitado e que nos leva a questionar: para quê esse modelo educacional serve? Para quem?
O distanciamento social é o eixo central nas medidas tomadas no combate à covid-19 no mundo inteiro. Fazendo jus às normas da Organização Mundial de Saúde, no dia 18 de março de 2020, as aulas presenciais foram encerradas por tempo indeterminado na rede estadual. Na contramão das universidades federais e de boa parte dos municípios, a SEE/MG desenvolveu de imediato aulas remotas sem uma consulta à comunidade docente ou discente antes de sua formulação e aplicação.
Os eixos principais dessa modalidade consistem em uma apostila, o PET (Plano de Estudos Tutorado), ao invés da utilização do livro didático (que muitos não receberam), teleaulas de 20 minutos transmitidas pela Rede Minas e um aplicativo de apoio denominado Conexão Escola. Entretanto, essas medidas não foram pensadas com base na verdadeira realidade social. De acordo com uma pesquisa feita pelo IBGE em 2018, mais de cinco milhões de mineiros não possuem acesso regular à internet e a emissora Rede Minas abrange apenas 186 dos 853 municípios mineiros. Ademais, de acordo com o Centro de Políticas Sociais/Fundação Getúlio Vargas, somente 32% dos mineiros têm acesso a computadores com internet. O dito material também não leva em consideração os alunos rurais e com necessidades especiais.
O PET conta com links para videoaulas e textos em outras plataformas. De acordo com a SEE/MG, os alunos que não tiverem acesso à internet, devem recorrer à escola a fim de conseguir o material impresso. Todavia, o dito material não é, de nenhuma maneira, adaptado para o papel. Quais estudantes esse material contempla? Qual o objetivo de formular um material onde sua maior qualidade está, segundo a própria Secretaria, em sua formulação em “tempo recorde”? Que perspectiva pedagógica é essa?
Cerca de 42 erros de ortografia e gramática, 89 informações equivocadas e 122 plágios e/ou não possuem fonte confiável foram identificados no primeiro volume dos PETs por professores da rede e estudantes universitários. Segundo o Grupo de Estudos da África Pré-Colonial (GEAP-UFMG), os conteúdos de história, além dos erros didáticos e ortográficos, também possuem conteúdos racistas e com uma visão eurocêntrica da história africana. A falta de investimento para elaborar um ensino remoto de qualidade e os erros grotescos demonstram um projeto: o sucateamento da escola pública.
O aluno Pedro Victor Reis, criador do Instagram de estudos “@estuda._.pedro” é estudante da Escola Estadual Pedro II, localizada em Belo Horizonte, e diz se sentir totalmente sem apoio e incentivo do governo. Ele afirma que a educação remota em Minas Gerais precisa de muitas melhorias e de um olhar mais coletivo, pois não são todos os alunos que têm acesso ao material.
Diversas campanhas e grupos estudantis distribuídos por todo o território mineiro se posicionaram contra o ensino remoto. Dentre essas campanhas está o EDUCAMG, fundado no dia 29 de maio, por estudantes do município de Itaúna. Defendemos um ensino de qualidade e justo para todos e o cancelamento do ano letivo. O lema da dita campanha diz “Education quae sera tamen!” (Educação ainda que tardia!) como alusão ao lema da Inconfidência Mineira: Libertas quae sera tamen! (Liberdade ainda que tardia!). De acordo com uma pesquisa independente feita pela campanha, cerca de 47% dos alunos não estão conseguindo compreender os conteúdos transmitidos pela Rede Minas, 85% dos alunos disseram não achar o material suficiente para obter uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e 42,3% dos entrevistados optaram por cancelar o ano letivo.
A aluna Vitória Rabelo, estudante da Escola Estadual Doutor José Gonçalves, diz que cursou o 3° ano do Ensino Médio em 2020 e disse que se sentiu desesperada. Vitória também relatou se sentir desconfortável quando lembrava que era seu último ano e que dependia do PET e das teleaulas para ter uma formação e boa avaliação no Enem. O mesmo aconteceu com Giovanna Alves, aluna da mesma escola. Giovanna disse que todos os alunos do ensino público foram prejudicados com a suspensão das aulas presenciais, sobretudo, os do 3° ano. A estudante também relatou que as aulas remotas não beneficiam ninguém, visto que não são democráticas e não usufruem de uma relação professor-aluno para facilitar a compreensão dos conteúdos.
O cenário caótico levou muitos estudantes a optarem pela não conclusão do ano letivo em 2020, escolhendo refazê-lo em 2021. Um dos exemplos é o caso da aluna Laura Mourão, que cursou o 2° ano do Ensino Médio no município de Itaúna em 2020. A aluna disse que sempre teve dificuldade em algumas matérias e, sem o contato com os professores que somente as aulas presenciais oferecem, seria de extrema dificuldade fazer o último ano do Ensino Médio sem o aprendizado de algumas matérias essenciais do 2° ano. Ela também relatou a dificuldade de contato com os professores. Laura não é um caso isolado, mas um dos muitos que estão acontecendo no estado de Minas Gerais. Todos causados pelo desprezo da SEE/MG a uma educação de qualidade.
Qual é o papel dos professores na formulação desse projeto que gera desespero e angústia nos alunos? Quem está sendo beneficiado com isso? Por que insistem no erro diante do grito dos estudantes mineiros e da morte de profissionais da educação? Escola pública não basta ser de graça. Precisa ser de qualidade, para todos. A proposição de um ensino remoto, às pressas, que só revê erros grotescos quando acontece repercussão na mídia demonstra a despreocupação do governo de Minas com as instituições educacionais. Nós, professores e alunos, juntamente com uma centena de pais, rejeitamos a proposta educacional de um governo nada diferente e pouquíssimo eficiente.
1 – Estudante da rede estadual e membro do Coletivo Educa MG.
2 – Professora designada da rede estadual no município de Sabará e mestranda em História e Culturas Políticas pelo departamento de História da UFMG.
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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Pensar Jovem/CEFET-MG para promover ações e reflexões em torno da Educação e Juventudes.
Imagem de destaque: Pixbay