Memórias da escola 24

Cleide Maciel

Não sei demarcar desde quando, para mim, o dever fazer e o fazer de fato estiveram tão afastados – até mesmo, se opondo – sem que isso se constituísse um problema. Fazia como Scarlett O’Hara, no filme E o tempo levou – dava de ombros e dizia: depois penso nisso! Assim é que, dentre outras coisas, a distância entre meus estudos na etapa de formação e meu trabalho como professora, já estava naturalizada, desde o começo do exercício na profissão docente. 

Na Escola Normal, basicamente, aprendi como ensinar os conteúdos mais importantes do programa da escola primária (hoje, da 1ª à 5ª séries); aprendi como analisar (e não, como compreender) a criança e sua família, além de estudar as disciplinas dos Fundamentos da Educação (que não eram assim denominados) e Estatística e de aprofundar os estudos de português e literatura.  O modelo pedagógico sob o qual se deu essa formação pode ser resumido na imagem: o professor fala, o aluno escuta e anota. Não dá para confiar na aprendizagem resultante dessa abordagem; também, não me lembro de ter estudado sobre o cotidiano no grupo escolar.

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Quando iniciei o trabalho na escola primária, quase tudo me parecia novo! De conhecido, os programas correspondentes a cada série. Comecei utilizando a metodologia que me era familiar: explicava a matéria. Só que havia um “pequeno” detalhe: eram alunos do primeiro ano, portanto, que não sabiam ler… ainda. Além disso, eram repetentes (alguns, repetiam pela segunda ou terceira vez). É evidente que minha metodologia de ensino não iria dar certo. Fui orientada a seguir as recomendações do aprender fazendo e a lançar mão das instituições escolares.

Não foi uma tarefa fácil. A sala era composta por carteiras duplas, enfileiradas. Quase impossível organizar grupos, considerando o peso das carteiras de madeira maciça e pés de ferro. O barulho “infernal” de carteiras sendo arrastadas e crianças em algazarra na sala de aula, me fizeram desistir, bem no começo. A solução foi colocar as crianças trabalhando em duplas, enquanto eu andava entre as carteiras e tentava conter o vozerio. Achei muito cansativo: repetir a mesma coisa, a cada dupla. Sem falar na atenção constante a todos que teimavam em apagar os erros com cuspe e dedo… Com o tempo, fui aprendendo a “criar olhos nas minhas costas e nos cotovelos”!

Se fui encontrando uma solução para o ensino ativo, não posso dizer o mesmo das instituições escolares. Quando aluna, na infância, tínhamos em sala, o Pelotão de Saúde. Num pequeno armário, ficavam guardados algodão, esparadrapo, mercúrio cromo, uma pequena tesoura, faixa de bandagem, pelo que me lembro. A cada semana, uma menina e um menino eram destacados para constituírem o pelotão. Tínhamos que colocar na cabeça uma espécie de tiara, feita de tecido branco com uma cruz vermelha aplicada na parte da frente. Tiara bem engomada para poder ficar firme. O que fazíamos? Quase sempre, passávamos mercúrio cromo nos esfolados adquiridos durante o recreio. Assim, criar o Pelotão de Saúde na sala de aula foi fácil. Difícil era conseguir que os representantes fossem exemplo de higiene…

As excursões eram outra instituição. E aí, a história foi outra. Procurei informações sobre essa atividade. Encontrei exemplos de excursões à fábricas, à zoológico, à estação de água e luz, ao campo para apreciar a natureza, à museus e galerias de arte… Morávamos numa pequena cidadezinha, onde a única fábrica (de manteiga) estava desativada! Não tínhamos museus, meus alunos tinham um “pé na roça”, conheciam mais bichos que eu! Além disso, como uma professora inexperiente poderia sair para fora dos muros seguros da escola com um bando de alunos indisciplinados? Mas, no relatório da direção do grupo escolar à inspetora, tinha que ter o registro de excursões realizadas!

Periodicamente a diretora nos consultava sobre as atividades que realizávamos com nossos alunos. Quantas excursões? Quantas visitas à biblioteca? São algumas perguntas das quais me lembro. Esse relatório, depois, era conferido com nossos planos de aula, vistoriados pela inspetora escolar. Cheguei a fazer algumas excursões no entorno da escola para conhecer a vizinhança. No mais, não passaram de meras “cartas de intenções”. Escrevia no plano de aula a previsão e o planejamento de uma excursão. Como era comum não dar tempo de “esgotar o plano”, eu costumava escrever uma observação ao final: – Não foi possível realizar a atividade tal (especificava). Transferida para a próxima aula. Só que, às vezes, eu me “esquecia” de registrar essa observação

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Nas andanças pelos arquivos, para as pesquisas em História da Educação, sempre que encontrei documentos escolares, os olhos brilhavam frente à possibilidade de maior aproximação com as experiências de professoras e professores. Entretanto, em todo tempo desconfiei do “efeito dos esquecimentos” nos registros…


Imagem de destaque: Pixbay|macco0514  

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