Se não fosse o lucro, haveria vida, riqueza e diversidade

Tiago Tristão Artero

 

Se não existisse o lucro…

 

A tecnologia se manifestaria em suas dimensões mais humanas.

Os carros urbanos seriam do tamanho exato da necessidade de seus passageiros.

O asfalto não seria fonte de geração de tantos problemas, dado que a permeabilidade e durabilidade estariam à frente do interesse das empreiteiras que se alimentam dos remendos.

Os veículos não correriam, porque as ruas acomodariam muitos, fazendo com que a mobilidade se desse em pouco tempo, mesmo não sendo em alta velocidade.

As pessoas não teriam mais seus órgãos vitais dilacerados em acidentes, pois a vida seria uma prioridade e o transporte público seria uma prova disto.

As casas teriam barro o suficiente para que o conforto térmico dispensasse grandes dispêndios de energia com ar condicionado ou aquecedor.

As roupas seriam feitas com material resistente e confortável e a indústria da moda não determinaria qual a tendência da estação, fazendo com que a calça jeans que gastou 10.000 L de água fosse dispensável.

Mente quem fala que fora do capitalismo não há diversidade, visto que a indústria cultural e o consumismo padronizam produtos, culturas e gostos pelo mundo afora, procurando gerar demandas similares, quando não, idênticas.

A alimentação não exigiria a complexidade da proteína da carne e a nutrição não seria um problema, já que todas e todos saberiam plantar em casa, nas calçadas, em canteiros por todos os lados, na mais alta diversidade.

No espaço urbano coexistiriam animais, agroflorestas e hortas urbanas e não haveria ninguém passando fome, nem mesmo com alimentação desequilibrada.

Trocar mudas, sementes e conhecimentos sobre a biodiversidade seriam coisas usuais.

Se não fosse o lucro…

A vida saudável alcançaria suas últimas consequências, pois os remédios seriam para curar e a alopatia seria uma última opção.

A depressão advinda de relações com interesse no poder e capital de outro e, também, de um trabalho desvinculado dos potenciais humanos não mais existiria e o envolvimento com a ação laboral superaria a ação de qualquer coach.

Ninguém trabalharia para ninguém, ao mesmo tempo em que todxs trabalhariam para todxs, havendo, assim, prazer na contribuição coletiva.

A escassez de recursos para a vida não seria um problema e as horas trabalhadas seriam reduzidas inúmeras vezes, porque o consumismo e o desperdício não imperariam como palavras de ordem – ou seja, não haveria restrição e abundância, mas, somente abundância.

Os crimes seriam brutalmente reduzidos, pois não haveria a necessidade de amealhar riqueza e todas e todos teriam acesso a uma vida digna e empolgante em cultura, ciência, artes e filosofia.

As ciências da saúde estariam intimamente vinculadas a processos cada vez mais humanos e, ao mesmo tempo, cada vez mais tecnológicos, fazendo com que a saúde de todas e todos estivesse atrelada à qualidade de vida.

Se o lucro fosse extinto…

As escolas seriam infinitamente mais ricas em saberes e práticas.

Seria encantador poder ter contato com tanta riqueza científica e uma imensidão de conhecimentos advindos de todas as partes do mundo, não somente euroestadunidenses.

Os livros de história conteriam, também, a visão e a cultura dos colonizados e escravizados, deslocando o eixo do centrismo do norte da África, da Europa e Estados Unidos; seriam muito mais diversos e o conhecimento não seria exclusivo dos livros didáticos, mas de uma grande quantidade de livros, vídeos e, principalmente, de práticas.

Antes de desenvolver algum projeto, tecnologia ou pesquisa, a principal pergunta seria: como isso pode ajudar as pessoas e a humanização dos processos sociais?

A competição daria lugar a organizações coletivas e a meritocracia seria substituída pelo desenvolvimento de um povo, medido pela capacidade deste povo em auxiliar outros, pela transferência de recursos, tecnologias e saberes.

Há tanto mais a se falar sobre “se não fosse o capital…”, mas vou parar por aqui, até porque já há micro experiências pelo Brasil e pelo mundo, nas mais diversas cooperativas, as mesmas que sofrem com os ataques do capitalismo.

Insano não é quem busca superar as contradições de um sistema que mistifica o capital, mas, sim, dos que naturalizam e endeusam uma criação humana que tem o costume de dar vida ao dinheiro e, ao mesmo tempo, de objetificar a natureza e a vida humana.


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