Saudação a um amigo!
Nestes e noutros tempos em que se faz loas à inexistente e idílica família e às sempre “adoráveis” sociabilidades familiarescas, é muito comum chamar as pessoas de que mais gostamos de irmãos ou de irmãs. Mas bem sabemos, por exemplo muitos, que irmãos podem ser aqueles que sacam uma arma e atira nos outros… irmãos. Aliás, a história ancestral de Abel e Caim já deveria ter nos vaticinado sobre isso. Mas, a gente teima em se enganar… pra viver ou morrer, a depender do desejo.
Eu, que venho de uma família de muitos irmãos e irmãs, bem sei que enquanto a fratria é compulsória, a amizade é uma opção e, num certo sentido, um desejo; é uma aposta e uma possibilidade, nunca um dado ou uma certeza. Então, hoje, muito mais do que de um irmão, eu queria falar de um amigo querido que, nesta quadra da vida, termina um ciclo e inicia outros… muitos outros sonhos de sonhar mundos inexistentes, mas sempre melhores pra todo mundo.
Uma das muitas heranças boas do meu mestrado – digo meu porque já aprendi também que estar junto não é necessariamente participar da mesma experiência – foi o encontro com pessoas que vinham de muitos lugares e experiências diversas. Do mesmo modo, a acolhida que tivemos de um grupo de professoras e professores foi a melhor possível para aqueles tempos idos de final de anos 1980.
Éramos 15, mais uma colega que chegou do Chile. Dentre eles e elas, sabe-se lá porque, nos anos seguintes, passei cada vez mais a me aproximar do Tarcísio Mauro, o Tatá, e, entre idas e vindas nas travessias da vida, tornamos amigos inseparáveis. Assim, ao longo de mais de 30 anos vividos juntos, nossas vidas foram tocadas uma pela outra e não foram poucas as mudanças que se deram no compasso dessa composição.
Apesar de espíritos e de presenças muitos diversas – uma das razões da boa composição; música é sempre som e… silêncio; ou na linguagem tarcisiana, Riobaldo não existiria sem Diadorim – penso que a nos unir esteve sempre um certo sentimento fundador de ser estrangeiro na própria terra. Quem conhece o Tatá sabe que ele saiu de Santa Tereza (ES), mas esta nunca saiu dele! Esse sentimento, e o des-prendimento por ele gerado, foi sempre um impulso a abraçar sem reservas a cidade e as pessoas que habitam… Disso aproveitei como poucos dos amigos muitos do Tatá.
Dos percursos formativos ao estabelecimento de carreiras, uma das quais, neste momento, ele encerra, as travessias foram muitas. Filhas, filho, companheiras… companhias. Dúvidas muitas… Muitas decisões foram tomadas (e bebidas!), ao sabor das intempéries do tempo, da idade, das relações inóspitas na universidade que eu, muito mais tardiamente do que ele, aprendi a chamar de minha: a UFMG.
Mas, sem dúvida, quem conhece o Tatá sabe que não são essas intempéries que o temperaram; não foi a inospitalidade que forjou a sua inesgotável hospitalidade para tantos amigos e “estrangeiros” que habitam sua vida e sua casa. Fonte inesgotável de bom humor e solidariedade, posso dizer com muita tranquilidade que ele sempre soube ser uma terceira margem, às vezes discreta e silenciosa, às vezes, eloquente e espalhafatosa, e ligar margens outras construídas para separar a gente das coisas boas da vida.
Talvez por isso, e não por acaso, o fato de escolhermos as margens da lagoa da Pampulha como nosso ateliê de criação. De minha parte, posso dizer que nas margens nos construímos. E construímos e/ou enfrentamos moinhos de ventos e muitos cavaleiros inexistentes que foram nossos camaradas em travessias nunca realizadas. Mas estavam lá, isso eu juro!
Juntos inventamos pensares e trocamos pesares tão intensos que não me reconheceria sem eles; e sem própria companhia do caminhante que, não poucas vezes, solitária e solidariamente se encolhia em sua grandeza para ressaltar palavras, ideias e atitudes que cismavam em não ultrapassar o rés do chão, eu pouco seria do que sou hoje.
As viagens, literal e simbolicamente, foram muitas. E continuam sendo! Juntos conhecemos uns cantinhos deste vasto mundo e pudemos nos deliciar com companhias outras, com vinhos, boas comidas e hospitalidades alheias. Uma das coisas boas de viajar com o Tatá é que com ele não há tempo ruim, nem ausência de sociabilidades tantas com os nativos. Taí uma das invejas tantas que dele tenho!
Vidas interligadas às nossas, olhadas desde o meu ponto de vista, já estou com saudades da UFMG que abrigou e se tornou melhor, muito melhor, com a sua presença Tatá! E tenho a certeza de que muita gente sente a mesma coisa. Oxalá elas tenham a possibilidade de, como eu, te dizer isso.
Não se trata apenas da invenção da PRAE ou do Pensar, mas do sonho de sonhar uma universidade que fosse acolhedora com todas as diversidades, como foi com a nossa. Esse seu sonho, que você lutou sempre que fosse um sonho sonhado junto Tatá – lembra daquele verso do Rausito: “Sonho que se sonha só / É só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade”? – desde há muito é realidade em seu imenso coração e agora é patente nos espaços e nas estruturas da UFMG que vocês sempre sonhou e batalhou para construir.
Homem de muitas travessias, que viaja literal e simbolicamente pelas veredas e pelas vertentes do grande Guimarães Rosa, meu amigo se aposenta – aí que dor! Aí que inveja! – nos prometendo outras e incríveis viagens! Que assim seja!
Alegro-me com sua alegria meu amigo, e, eu, ateu confesso, rezo a todos os deuses e deusas, a todos os anjos e santos, a todas as entidades existentes ou por existir, convoco todos as energias da terra e do espaço sideral, para que eu tenha forças, tempo, coragem e sabedoria para continuar nessas travessias (e travessuras!) contigo!
Do seu sempre amigo e irmão nas horas vagas e nas recaídas, Chaninho!
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