Saberes ancestrais em diálogos com uma nova escola: apontamentos sobre a EJA e a Educação Indígena

Douglas Tomácio
Ruan Debian

Os movimentos contemporâneos são profetas do presente. Não têm a força dos aparatos, mas a força da palavra. Anunciam a mudança possível, não para um futuro distante, mas para o presente de nossa vida. Obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma e rosto. Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem algumas coisas que os transcende e, deste modo, falam para  todos (MELUCCI, 2001).

É na força da palavra, no presente que se anuncia a profecia indígena, que aqui nos propomos a dizer de uma faceta não muito mirada: a EJA no contexto indígena.

O trabalho nessa frente requer de nós educadores a atenção aos educandos que veem na EJA a possibilidade de criação e recriação de espaços à história que lhes compete enquanto povo originário; em diálogo com seus valores e cosmovisão. Nesse sentido, como postula o Referencial Curricular voltado às escolas indígenas (1998), importa que a escola trabalhe em um processo de autodeterminação dos povos indígenas, orientados para a construção do diálogo inter e intracultural.

A EJA assume, assim, um lugar de fortalecimento identitário, de reconhecimento e valorização das comunidades indígenas. Uma modalidade capaz de, compreendendo as especificidades contextuais, aliar o processo educativo e a proposta curricular que a funda às expectativas destas comunidades.

É apenas vertendo-se da atenção aos anseios indígenas, e reconhecendo-os como povos de um Brasil também contemporâneo, que o processo educativo na EJA se poderá fazer à luz dos direitos diferenciados que detêm, no contexto de um país diverso socioculturalmente. Um fazer implicado em reconhecer a história, ainda hoje, amplamente contada por um viés invisibilizante e segregador.

Tal empreendimento, contudo, esbarra em problemas há muito conhecidos, como diria Luciano (2006). Carecemos de programas que sejam baseados em metodologias específicas de aprendizagem e que estejam em acordo com os interesses e demandas das comunidades indígenas. Também nos faltam as garantias de autonomia dos projetos educacionais que tenham em vista características necessidades definidas pelos povos indígenas e não por nós, tão apegados à determinação de um fazer único de escola. E, sim, é a luta que se faz no hoje, no agora, em favor de uma EJA múltipla, de uma população especialmente vilipendiada nos últimos quatro assombrosos anos.

Aos indígenas cabe uma EJA que em seu bojo de propostas educativas opera sob a mescla entre o saber científico e aqueles outros que consigo trazem os educandos enquanto povo. Um fazer tecido na compreensão das relações que esses mesmos sujeitos estabelecem com a terra/território e suas lutas pelo direito originário a ela, com o Estado e com o mundo do trabalho, com a autodeterminação e afirmação identitária, com o direito à educação e demais direitos sociais.

Nessa compreensão e suportados pela valorização dos processos educativos próprios das sociedades indígenas, somam à experiência escolar, se pode apostar na simbiose entre distintas experiências socioculturais, linguísticas, históricas e fazê-lo sem qualquer sobrevalorização de uma sobre a outra; ao passo que se reconhece as relações historicamente construídas no contexto de desigualdade social e histórica.

Ao Estado brasileiro está dada a responsabilidade de comprometer-se para com a reafirmação e a valorização da cultura indígena. O abandono de uma perspectiva limitada à manutenção da garantia da existência (transitória) das populações indígenas pode e deve perpassar pela consolidação da EJA e de nossos fazeres educativos implicados com nossos povos originários.

Uma EJA que dialogue com um entendimento histórico dos movimentos sociais indígenas reivindicatórios, e suas formas de organização e solidariedade, que se comprometa na luta que empenham na persistência de identidades sociais capazes de ligar o presente com os vários séculos de memórias culturais, como bem nos diria Argumedo (2004).

Sobre os autores
Douglas é professor do Departamento de Educação (DE-Ibirité) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: dtlmeduc@gmail.com

Ruan é educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). E-mail: debianruan@gmail.com

Para saber mais
ARGUMEDO, Alcira. Los silencios y las voces em América Latina: Notas sobre el pensamento nacional y popular. Buenos Aires: Colihue, 2004.

LUCIANO, Gersem dos Santos. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006

MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: Movimentos sociais nas sociedades complexas.Tradução de Maria do Carmo Alves do Bomfim. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.


Imagem de destaque: Arte/Obra: Auá Mendes (artista indígena) – @aua_art

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