Rota Morávia: o percurso da mudança – Juliana Santos Botelho

Rota Morávia: o percurso da mudança

Juliana Santos Botelho

Um dos pontos altos do congresso da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e Caribe (Red Pop 2015), realizado entre os dias 25 e 29 de maio de 2015, foi a visita guiada ao antigo lixão de Morávia. Apontado como uma das mais emblemáticas experiências de recuperação ambiental da cidade de Medellín, o bairro Moráviaé contíguo ao Parque Explora, moderno e interativo museu de ciências que sediou o evento este ano.

Os interessados em realizarum percurso opcional de 2h30min de duração que ia do Parque Explora até o lixão, denominado “Rota Morávia”, foram distribuído sem pequenos grupos liderados por quatro mulheres da comunidade de Morávia. Delas, ouvimos diversas histórias:as primeiras ocupaçõesno local,o impacto do lixão em uma comunidade local de 4 mil habitantes e as práticas de recuperação e descontaminação que começaram a ser empreendidas no local após 2009, ano em que o lixão foi desativado. Algumas dessas práticas envolvem, por exemplo, o monitoramento da presença de chumbo e de outros metais pesados no soloe são resultantes de parceria comdiversas instituições, tais como a UNESCO, a Universidade de Antióquia e a Universidade da Catalunha.

 

Lado a lado com a apropriação social do conhecimento científico para a recuperação ambiental local, Morávia vem lutando também pela apropriação dos espaços públicos pela comunidade local. “Na minha época, as mães tinham que pagar 500 pesos para mandar seus filhos para a escola”, relata a líder comunicaria Judy Elena Echebarría. Hoje, Morávia tem escola pública e posto de saúde próprio. O campo de futebol do bairro, que no passado havia recebido areia e iluminação das mãos do famoso líder do narcotráfico, Pablo Escobar, hoje tem grama sintética entretida pelo município. Catadora de material reciclável e moradora de Morávia, Judy Echebarría falou do estigma social associado ao seu bairro nos idos dos anos 1980 e 1990, quando Morávia era reputado por ser um bairro de ladrões, sequestradores, prostitutas e analfabetos, onde nem a polícia conseguia entrar. “Foram anos muito duros”, reclama Judy Echebarría, que teve seu marido assassinado dentro da própria comunidade.

 

Mesmo com tanta mudança, Morávia não deixa de evidenciar alguns dos problemas vivenciados por tantas outras áreas de favelamento da América Latina. Locais onde os moradores do lixão foram reassentados, os edifícios Álamo 1 e 2 são verdadeiros ícones dos atritos decorrentes das políticas de desapropriação e realocação dos moradores de Morávia. O risco de fogo gerado pela presença de gases tóxicos, resultantes da decomposição do lixo, também foi uma realidade visível aos realizadores da rota. Ainda assim, alguns moradores optaram por permanecer dentro da área do lixão desativado, seja porque eles ainda têm família dentro de Morávia, seja porque eles jamais conseguiriam uma realocação satisfatória, dentro de um bairro tão próximo do centro da cidade, seja porque eles se sentem mais seguros ali do que em qualquer outro lugar da cidade.

O percurso terminou com uma visita ao Coojardicón, galpão situado no alto do morro de lixo de onde saem hoje diversas mudas de plantas vendidas para o mercado interno e externo. Segundo Marina Villar, co-fundadora do empreendimento, a ideia é fazer da jardinagem e do artesanato com material reciclado uma alternativa de subsistência para diversas mulheres da comunidade. Sem dúvida, uma maneira criativa de coroar com flores um passado que se pretende enterrar para sempre.

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