Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta, Ano 6 – Nº 208/ sexta-feira, 10 de agosto de 2018
A comunidade científica brasileira recebeu, perplexa, a informação contida em ofício de 01 de agosto enviado pelo presidente da CAPES, Abílio Baeta Neves, ao ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva, de que o teto orçamentário imposto pelo Governo Federal àquela importante agência de fomento à pesquisa, levará à suspensão de todas as bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, já em agosto de 2019. Interromperá também importantes programas de formação de profissionais da educação básica e de cooperação internacional.
Nada menos que isso: se levada a efeito, a medida produzirá grave interdição da produção científica e inviabilização do sistema nacional de pós-graduação, construído por gerações e gerações de pesquisadores(as), especialmente nas universidades públicas do Brasil. Como afirmamos no editorialda semana passada: destruição anunciada. E anunciada em ofício de um órgão do governo para outro, também do governo.
Trata-se de afronta à Constituição brasileira, que em seu art. 218 obriga o Estado a promover e incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”. Tal artigo da Carta Magna afirma ainda que tais atividades precisam receber “tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação” (§ 1º); prevê também que o Estado deve apoiar “a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação” (§ 3º). É então obrigação do Estado zelar pela produção de conhecimento no País, em benefício de seu povo. Ao fazer o contrário disso, a ação do Governo Federal torna-se crime de lesa-pátria.
Da perplexidade à resistência, não tardou a reação a mais esse ataque desfechado contra a educação e a ciência públicas. Com justa revolta, a comunidade manifestou sua indignação.
A começar pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência que, representando mais de 30 entidades científicas de todas as áreas, publicou em 3 de agosto carta aberta ao presidente da República na qual informa que as “entidades nacionais, representativas das comunidades científica, tecnológica e acadêmica e dos sistemas estaduais e municipais de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), dirigem-se à Vossa Excelência e à população brasileira para expressar seu total apoio à manifestação do Conselho Superior da Capes (…) contra um corte significativo no orçamento para 2019 daquela agência, que desempenha um papel essencial na pesquisa e na pós-graduação do País. Caso ele seja mantido, os impactos serão muito graves para todos os Programas de Fomento da Capes, impossibilitando, inclusive, o pagamento integral de cerca de 200 mil bolsas a partir de agosto de 2019.”
A SBPC então se posicionou afirmando que “Esse corte contraria decisão do Congresso Nacional, que incluiu na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a proibição de redução de recursos para a educação e a saúde, em relação ao orçamento aprovado para 2017, corrigido pela inflação.” E complementa, alertando que “Novos cortes em um orçamento já tão reduzido para ciência, tecnologia, inovação e educação terão consequências catastróficas para toda a estrutura de pesquisa no país, para os setores empresariais que apostam em inovação, para a qualidade de vida da população e para o protagonismo internacional do país.”
Nas Universidades públicas foi da mesma forma contundente o repúdio ao corte do orçamento da CAPES. Trazemos aqui um exemplo dentre tantos, da UFMG, à qual nos vinculamos, onde o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão aprovou em 7 de agosto uma moção em que defende a “manutenção dos recursos necessários à Capes para o financiamento das atividades que lhe são afetas”. O mesmo documento defende também a “sanção presidencial da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2019 tal como aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2018”, considerada “indispensável para que a educação universitária pública, de qualidade, inclusiva e relevante para o País se mantenha em condições de responder com competência e responsabilidade às demandas que lhe são apresentadas pela sociedade brasileira.”
Nas ruas e nas redes sociais a reação foi igualmente potente. Pesquisadores/as fizeram protestos em Belo Horizonte, no Rio, em São Paulo e em várias cidades pelo Brasil, exigindo não apenas a manutenção de recursos, mas também a retomada de investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Hashtags como #existepesquisanobr e #minhapesquisacapes viralizaram, com grande participação da comunidade científica brasileira.
O Governo sentiu a pressão: o ministro da Educação e o presidente foram obrigados a vir a público para negar que haverá suspensão. Rossieli Soares da Silva afirmou que governo federal não vai cortar bolsas de pós-graduação e que a questão está sendo discutida no MEC.
Há quem considera ter sido este episódio um ‘ensaio’ do Governo Federal (e de quem pretende dar continuidade às suas políticas) para ‘testar a reação’ da comunidade científica, e da comunidade universitária como um todo, a propostas como essa, que indicia uma estratégia em curso, que nos exige acuidade. São movimentos sorrateiros para a privatização da pós-graduação (há candidato potencial à Presidência que já declarou que começará por ela a privatização de toda a universidade pública, tal como a conhecemos); são projetos sendo gestados em gabinetes empresariais que sustentam esse governo para levar a cabo uma reestruturação das universidades públicas (estariam elas sendo dispensadas de sua responsabilidade de produzir conhecimento e participar do desenvolvimento do país?).
Como sempre, é preciso estar atento(a): a quem pode interessar fazer do ensino superior um grande e rentável mercado?
Certamente não é à grande parte da população brasileira – especialmente os filhos e as filhas de famílias de baixa renda –, que só recentemente teve reconhecido o seu direito de acesso às universidades públicas. Ao contrário, medida como essa, em meio a outras (como a PEC 95/2016, que congelou investimentos em educação e saúde por 20 anos) traduzem sem rodeios o projeto que se quer impor ao País: excluir os pobres do acesso ao ensino superior, interrompendo o processo de sua democratização experimentado nos últimos tempos, com resultados maravilhosos pelo Brasil afora.
Resistir sempre. Resistir sem trégua. Resistir para existir.
Importa hoje registrar e saudar a justa, necessária, imprescindível reação da comunidade científica brasileira.
Porque é um imperativo ético resistir à imposição de mais essa barbárie contra o País.
Imagem de Destaque: Pedro Cabral