Repensar as escolas democráticas – e defendê-las de outros modos!

Roberto Rafael Dias da Silva

A educação que conseguimos ofertar neste contexto de pandemia apresentou um conjunto diversificado de limites e de possibilidades. Ao mesmo tempo em que as desigualdades no acesso à internet foram exacerbadas, conseguimos constatar que a cidadania digital nos oferece outros modos de convivência democrática. Ao mesmo tempo em que a sala de aula declinava em sua potencialidade pedagógica, sentimos saudades do encontro e dos laços humanos que somente a escola consegue oferecer aos nossos estudantes. Ao mesmo tempo em que os conhecimentos e as experiências escolares eram reduzidos a métricas de desempenho, descobrimos que é necessário (e possível!) produzir uma cultura escolar inovadora – orientada por modelos de governança democrática. O ano de 2020 – com suas perdas irreparáveis e aprendizagens indeléveis – tem nos ensinado a reler as potencialidades formativas da escola e a repactuar nossas expectativas públicas acerca de seus propósitos.

Agrega-se a esse diagnóstico inicial as atuais condições políticas de nosso país – marcadamente neoconservadoras – em que a defesa da pluralidade das formas de ensinar e aprender ainda se configura como uma demanda fundamental. Neste contexto, escolhi finalizar minhas contribuições no Pensar, neste ano, reiterando a importância de defendermos a construção de formas escolares mais justas e democráticas, mobilizadas através de novas ferramentas intelectuais. Vou elencar três pontos neste momento. O primeiro ponto diz respeito à necessidade de mantermos sob interrogação as metas muito estreitas que ainda orientam as nossas políticas: preparação para exames e processos seletivos, metas e indicadores de qualidade ou a obtenção de resultados econômicos. Tais metas precisam ser cotejadas com as possibilidades de uma “cidadania orientada para a justiça social”, como explica-nos Joel Westheimer.

Outro ponto que merece nossa atenção é a necessária revitalização dos conceitos de cooperação, seja por meio de planejamentos mais colaborativos envolvendo os professores e os estudantes, seja por meio de currículos mais integrados e foco na aprendizagem cooperativa (um conceito clássico que precisa ser revitalizado). Os variados níveis de decisão curricular – seleção de conhecimentos, produção de aulas e avaliações – podem ser ativados a partir de uma nova agenda política: que seja capaz de abarcar as diferenças culturais, as desigualdades, a crise climática, a inclusão digital, os novos protagonismos juvenis e as instigantes promessas em torno de uma cidadania global.

Por fim, como reação ao discurso hoje predominante, seria conveniente resgatarmos a criatividade como um conceito pedagógico fundamental que nos permitirá – colaborativamente – engendrar novos campos de possibilidades. Sem restringir-se aos ganhos econômicos, a busca pela “criatividade colaborativa” irá nos auxiliar no impulsionamento de novas possibilidades de inovação no século XXI. Fernando Hernandez, em elaboração recente, lembrava-nos que as políticas com foco na criatividade potencializam a ampliação das capacidades criativas, da autonomia e da resolução de problemas – condições importantes para uma escola democrática. Cidadania orientada para a justiça social, planejamentos mais colaborativos e práticas focadas na criatividade podem nos auxiliar a repactuar nossas expectativas sociais sobre a escolarização e, enquanto ferramentas intelectuais, oferecem-nos horizontes possíveis para o enfrentamento de nossas históricas desigualdades.


Imagem de destaque: Michael Appleton / Mayoral Photography Office

 

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