Rebeca Cristina Nunes Lloyd Gonçalves*
Flavia Renata Guimarães Moreira**
A presença dos(as) adolescentes do socioeducativo na EJA, não raras vezes, torna-se um (instigante) desafio. São educandos(as) que trazem consigo histórias e trajetórias repletas de atravessamentos. Nós, enquanto educadores(as), somos impulsionados(as) a oportunizar espaços para que eles(as) possam (re)construir sua relação com a escola e com o(s) processo(s) de formação, de forma dialógica, a qual dê a eles(as) centralidade, atendendo suas demandas e dando condições para que eles e elas possam se posicionar criticamente diante dos desafios que a vida lhes apresente.
Assis e Constantino (2001, 2005) apontam que as desigualdades sociais e econômicas brasileiras conduzem a condições assimétricas de desenvolvimento pessoal de adolescentes, uma vez que dificultam a uma parcela da sociedade o acesso à moradia digna, à alimentação, ao lazer e à educação de qualidade social. Este conjunto de fatores pode levar a estigmas e preconceitos em relação aos(às) adolescentes, contribuindo para fragilizar as relações sociais e para que se naturalizem as violências em diversas esferas de convivência.
A escola é tida enquanto espaço de promoção e de desenvolvimento na execução das medidas socioeducativas e a Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, estabelece que estados e municípios cumpram a obrigatoriedade de inserção dos(as) adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa nas redes públicas de educação, em qualquer época do período letivo. O direito à matrícula escolar reflete a compreensão da escola enquanto um lugar que favorece processos abrangentes de aprendizagem e desenvolvimento, essenciais para a reorganização dos processos vivenciados pelos(as) adolescentes, além de tutelar a garantia do direito constitucional ao acesso à educação.
O Parecer CNE/CEB nº 8, de 7 de outubro de 2015, afirma que, ao considerar o adolescente e sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, deve-se enfatizar a educação como meio de construção de novo projeto de vida para os(as) adolescentes em situação de conflito com a lei, visando à expansão da sua condição de sujeito(s) de direitos e de responsabilidades.
Assim, a escola se apresenta como um contexto de fundamental importância para a promoção das trajetórias dos(as) adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Aquino (2000) nos aponta que a escola representa um contexto ímpar, ao favorecer a desconstrução e a reconstrução de pontos de vista, alargando a visão do sujeito sobre as múltiplas determinações da realidade. Temos a compreensão de que seja necessária uma rede de apoio para se pensar em/sobre processos pedagógicos inclusivos que favoreçam a permanência e o protagonismo destes(as) adolescentes no ambiente escolar.
A escola pode ser também propensa a representações de violência, discriminação, estigmatização e exclusão e, no caso dos(as) adolescentes em situação de conflito com a lei, cujas trajetórias de escolarização são, em sua maioria, marcadas por insucessos, rupturas e abandonos, o retorno à escola pode se converter em processo delicado e complexo cujo sucesso dependerá inclusive da confiança institucional de que o(a) adolescente seja um sujeito ativo, construtor do seu próprio desenvolvimento.
Eles e elas têm sonhos, buscam viver uma experiência ainda não contemplada em suas vidas. Querem ser felizes, realizados(as). Em algum momento, tiveram seus desejos, suas expectativas e/ou seus projetos infiltrados pela aspereza humana. Foram excluídos(as) do seio social, para se refazerem a partir da socioeducação. Assim, tiveram que ressignificar seus olhares, seus desejos, suas vontades. Necessitaram (re)aprender a (res)escrever sua(s) história(s) e trajetória(s) de vida.
Quem são? São sujeitos de direitos, adolescentes que lutam por visibilidade, por assistência social, por dignidade de/na vida. Muitos(as) somente foram enxergados(as) na situação de cumprimento de uma medida socioeducativa. Antes, eram apenas mais uma pessoa no imenso número de desassistidos(as). Quem os(as) vê agora? Como os(as) enxerga? Permanecem vitimizados(as) pelos preconceitos sobre suas existências, suas motivações, suas vivências.
Também pelos preconceitos que tentam mantê-los(as) longe, bem longe da centralidade da vida humana e social, se não houver quem lute por/com eles(as). Lutam quase que ininterruptamente por posturas/posicionamentos antirracistas, pela conquista de direitos. Vislumbram um futuro sólido nas escassas oportunidades apresentadas, em todos os âmbitos e em seus percursos. Mais que nunca, necessitam da escola enquanto lugar de direito, o que deveria ter sido desde sempre.
* Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Mestre em Educação pela FaE/UFMG.
** Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Mestre em Educação pela FaE/UFMG.
Imagem de destaque: Sala de aula do sistema Socioeducativo em Ribeirão das Neves – MG. Foto: Omar Freire/ Imprensa MG