Reflexões sobre o massacre de Suzano e a busca por outros contextos de desenvolvimento

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

O trágico acontecimento ocorrido na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, deixa perplexa, infelizmente, e mais uma vez, toda a sociedade. Afinal não é a primeira vez que cenas de terror se tornam realidades, indicando que esses episódios tendem a se repetir. Contudo, longe de entrar em alarmismos e propagar informações sensacionalistas, que nada resolvem e só alimentam o estado de insegurança, é necessário compreender acontecimentos como esses como um sintoma, como um mal-estar da época, como uma expressão, mesmo que bizarra, de cenários e de pessoas que vivem certos contextos. Assim, ao apreender as dinâmicas relacionais de uma época, o modo como as pessoas vivem e as culturas produzidas é possível algum tipo de posicionamento assertivo que possa reverter ou, minimamente, dirimir seus impactos.

A Escola Professor Raul Brasil é uma sexagenária e muito provavelmente foi palco de uma série de acontecimentos desafiantes ao longo de suas décadas, mas vivenciar massacres certamente é algo típico de um mundo mais recente.

Assim, o olhar histórico possibilita compreender alguns dos contextos que, mediados por dimensões sociais, culturais, econômicas, políticas e psicológicas, são bases domodus vivendi, inclusive nos contextos escolares.

O importante livro da professora Angelina Bulcão Nascimento “Trajetória da juventude brasileira: dos anos 50 ao final do século”, embora não trate de modo específico do mundo escolar, permite que se apreenda alguns dos dilemas e preocupações do ambiente escolar em décadas de outrora. Assim, na década de 1950 as preocupações estavam marcadas pelos chamados comportamentos desviantes da juventude transviada, com a onda do nascimento do rock and roll. Na década seguinte, foi o movimento hippiee a efervescência política dos jovens, inclusive com a participação de secundaristas em protestos de rua (em uma busca simples no acervo do Jornal Folha de São Paulo, há inúmeras matérias jornalísticas que expressam manchetes da época, revelando o quanto a sociedade se preocupava com o comportamento dos jovens e escolares em estarem nesses protestos). Depois veio a década de 1970 com toda a questão das drogas até o que Angelina Bulcão chamou de geração shopping, marcada pelo individualismo e consumismo.

O curioso é que as preocupações e dilemas vividos no chão das escolas vão ganhando cores diferentes ao longo da história e o quanto essas cores tem a ver com as dimensões sociais, culturais, econômicas, políticas e psicológicas da época. Então parece ser aí que a questão deve ser colocada. De toda a sorte, e mesmo sabendo que as escolas de ontem enfrentavam desafios diferentes das de hoje, as perguntas mais angustiantes continuam no ar. Afinal, o que faz uma pessoa matar em massa e de maneira aparentemente gratuita e desproposital? Por que jovens fazem isso?

A etnopsiquiatria – campo de conhecimento que articula, sobretudo, a antropologia e a psiquiatria – tem demonstrado o quanto os transtornos mentais se expressam de acordo com a cultura na qual o indivíduo está inserido. Nesse sentido, as “loucuras” seriam também fenômenos culturais, não só no que diz respeito ao modo como as pessoas interpretam, mas também na sua própria produção.

Então, se considerarmos que massacres como o ocorrido em Suzano são produzidos por pessoas que romperam com a razão estabelecida, mesmo assim, em seus “atos de loucura”, essas pessoas estariam alinhadas a um mundo de signos e significados, ou seja, por mais bizarras que tenham sido seus atos, elas estariam dentro de códigos culturais e influenciadas pelas demais dimensões aqui sinalizadas. Os contextos de desenvolvimento, portanto, se dão via as condições objetivas e as redes de significados culturais, dando sentido e significado a algo que é aparentemente invisível e sem razão.

Outras perguntas parecem agora ganhar pertinência: que condições objetivas e redes de significados, portanto, se fazem presentes no contexto de desenvolvimento de pessoas que entram em escolas e matam dezenas de outras pessoas sem razões aparentes? Será que uma sociedade marcada pelo espetáculo da violência (diuturnamente midiatizada) compõe esse contexto de desenvolvimento? Haveria condições objetivas facilitadoras para esses acontecimentos uma vez que há permissividade para o armamento da sociedade civil e mesmo apologias ao comportamento bélico, principalmente vindas de figuras símbolos, como o presidente da república? O mundo hiperindividualista e uma sociedade do consumo que termina por esgarçar as qualidades dos vínculos humanos teria também presença?

Essas perguntas agora são as mobilizadoras para que, corajosamente, encontremos algumas respostas e possamos, quiçá, criar outros contextos de desenvolvimento, em particular nas escolas, para que as pessoas não precisem viver, ao menos, esse tipo de violência.


Imagem de destaque: HaileyKean/Unsplash

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