Quem tem medo da política partidária?

Wojciech Andrzej Kulesza

De repente, milhões de brasileiros se deram conta de que as escolas fecharam suas portas deixando seus alunos sem ter aonde ir. Paradoxalmente, essa desaparição aumentou a visibilidade dessas instituições que passaram a ter reconhecida sua importância. Pais e mães em quarentena com as crianças querendo saber quando, finalmente, as escolas vão reabrir. Jovens ansiosos por concluir sua formação e começar de uma vez o caminho em direção ao futuro. No entanto, o professor e a professora, principais operadores desses estabelecimentos, continuaram a ser ignorados. Fazendo das tripas coração para manter a escola presente nos espaços domésticos, se desdobrando como orientadores, consultores, conselheiros, leva e traz, programadores e sei lá quantas outras funções, eles aliviaram os malefícios da pandemia sem descurar de suas obrigações docentes.

Com o início do período eleitoral retomam-se as mirabolantes promessas de melhoria de nossa educação, não faltando reprovação do estado lastimável de nossas escolas e das vergonhosas condições de trabalho do professorado. Na maior cara de pau, os candidatos incluem os docentes em seus planos, contam com eles para seus projetos, os tratam como aliados, correligionários, tentando assim angariar os votos da população. Desconhecendo na maior parte dos casos a reais demandas dos profissionais da educação, esses candidatos a prefeitos, a vereadores, agem como se estivessem oferecendo um remédio infalível para todos os males da escola: sua posse nos cargos pleiteados. Enquanto isso, nos parlamentos, nos púlpitos, nos jornais, nas redes de rádio e televisão, exalta-se a figura do professor, enaltece-se o seu dia, apelando-se agora para seu desprendimento, boa vontade, vocação, erigindo-o em sacerdote moderno.

Alheia a essas propagandas enganosas e a essas ilusões conformistas, a categoria docente continua firme em sua luta pela melhoria da educação para todos. Sua mobilização foi fundamental para que fosse aprovada este ano a Emenda Constitucional nº 108, de 20 de agosto deste ano, instituindo o novo FUNDEB, abreviatura cuja explicitação por extenso, Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, explica bem pelo que batalham os educadores. Seu expressivo histórico de lutas, resistência e conquistas, se confunde com o movimento mais geral em prol das liberdades civis, dos direitos sociais e da democratização da sociedade brasileira. Por isso, a presença dos docentes nas próximas eleições não se efetivará simplesmente pelo apelo demagógico dos candidatos, mas sim por sua identificação com aquelas propostas que fortaleçam seus planos de luta.

Todavia, numa conjuntura na qual o governo busca autoritariamente retroceder a configurações sociais anteriores nas quais ocorreram conquistas progressistas, a pauta de reivindicações dos docentes não pode se limitar às suas questões específicas. É como se o governo considerasse nulo o resultado de um jogo já ganho e forçasse a realização de uma nova partida, só que agora com novas regras de modo a favorecê-lo. Por isso, antes de entrarmos em campo será necessário garantir condições mínimas para um confronto civilizado, livre da truculência das milícias e também das polícias. Na verdade, as bandeiras de luta históricas do movimento docente se agitam no interior do movimento social mais amplo em favor da democracia e do estado de direito. Não são as eleições, momentos significativos nessa trajetória?

Os prefeitos e vereadores eleitos serão peças fundamentais no ano que vem no processo de recuperação da cidadania ameaçada cotidianamente pelo atual governo federal. Suas atitudes em relação à saúde, campo semelhante à educação por sua importância para o equacionamento das desigualdades sociais, nos deve deixar alertas. Pelo tratamento dado à pandemia, vigorosamente repudiado por estados e municípios, já se adivinha o tom que conduzirá suas ações educacionais, fartamente anunciado, aliás, pelos inúmeros gestores do Ministério da Educação. Por outro lado, o impressionante desvio de verbas destinadas ao combate da COVID 19, revelado a todo momento em várias regiões do país, nos deve deixar vigilantes desde já, nessas eleições, para com a conduta pregressa dos candidatos.

A educação, dispondo no Brasil de um orçamento da mesma ordem daquele conferido à saúde, certamente será alvo dessas verdadeiras quadrilhas a surrupiar o erário público. Não podemos nos esquecer que a emenda constitucional do FUNDEB foi aprovada pelo atual Congresso, que introduziu no texto legal diversos mecanismos que regulam a percentagem do fundo a ser destinada a cada rubrica. Desde sua criação, os gestores se queixam de que a vinculação expressa na lei que prioriza o uso dos recursos do fundo para o pagamento dos profissionais da educação, engessa os orçamentos dificultando a aplicação dos recursos. Verdade que nem por isso a maioria deixou de contratar professores temporários, provisórios, fora do quadro permanente do serviço público, favorecendo assim o clientelismo. Fato é que agora, a emenda ao texto constitucional fala de, por exemplo, um “mínimo de 15% para despesas de capital” (artigo 212-A, inciso XI) e que uma série de medidas previstas nesse instrumento legal carece ainda de regulamentação até o final do ano. Tempo bom para começarmos essa discussão em torno das urnas.


Imagem de destaque: Marcos Santos/USP Imagens

 

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