Por que precisamos conversar sobre cidadania digital nos currículos escolares?

Roberto Rafael Dias da Silva

Quando assumimos a tarefa de problematizar a noção de cidadania na escola precisamos reconhecer os modos pelos quais este conceito alargou-se na contemporaneidade. A reconstrução de uma agenda crítica para nossas escolas, em termos curriculares, passa pelo desafio de considerar o mundo digital em sua pluralidade e complexidade. Diferentes abordagens teóricas, no Brasil e no exterior, têm insistido na atualidade da inserção desta temática na educação de crianças e adolescentes, devido ao contato permanente destes sujeitos com ambientes virtuais, bem como pela necessidade social de examinar criticamente o contexto nomeado como “pós-verdade” (DUNKER et all., 2017).

No pequeno texto, nomeado como “Manifesto pela Cidadania Digital”, Di Felice e outros relevantes autores no contexto internacional procuram delinear uma agenda política para as questões educacionais de nosso tempo. A primeira questão discutida pelos autores remete-se aos deslocamentos da noção clássica de sociedade para o âmbito das redes conectivas. A definição daquilo que conta como “social”, hodiernamente, ultrapassa a dimensão dos agenciamentos humanos. Internet das coisas, big data e diferentes arquiteturas de conexão, associadas ao desenvolvimento de tecnologias 4.0, oferecem uma necessária reflexão sobre a condição humana (SILVA, 2020).

Uma segunda questão, esboçada no Manifesto, alarga os sentidos de democracia: dos parlamentos para as plataformas digitais. Novos modelos de participação política tornam-se possíveis neste contexto.

Se a democracia política limita a participação dos cidadãos na escolha de seu representante a cada quatro ou cinco anos, a cidadania digital pode transformar a participação e a ação em um processo compartilhado, baseado na troca contínua de informações e interações complexas entre humanos e não-humanos.

No decorrer do Manifesto a terceira questão refere-se à dimensão das subjetividades políticas. De acordo com os autores, a cidadania digital faz emergir o “infovíduo”, caracterizado por uma “forma conectiva, aberta e mutante”. Em outro texto, Di Felice explica, desde uma epistemologia reticular, que as subjetividades em seus sentidos físico e digital tornaram-se indissociáveis. Por fim, a quarta e última questão destacada no Manifesto remete-se à educação para a cidadania digital. Mais uma vez recorrendo aos mesmos autores, “significa educar para uma participação responsável, para uma interação consciente, para construir as habilidades de todos em um mundo cada vez mais conectado. Nossa tarefa é, portanto, aprender a construir redes melhores e mais inteligentes”.

O campo progressista da educação, desde essa perspectiva, precisa atualizar a sua linguagem e seus modos de interpretação das subjetividades políticas que deste contexto se derivam. O conceito de cidadania digital ainda precisa ser inscrito no debate sobre os currículos escolares e a formação de professores; entretanto, parece possível mapear suas potencialidades. A medida em que avançam novos modelos de governança digital ou algorítmica, bem como a autoridade das informações é derivada de sua popularidade, precisamos avançar na composição de programas curriculares que produzam novos direcionamentos em relação a estes cenários. Para uma era digital, típica destas primeiras décadas do século XXI, coloca-se em nosso horizonte o desenvolvimento de novas habilidades, atitudes e conhecimentos capazes de examinar crítica e criativamente o nosso tempo, por meio de epistemologias mais plurais, mais compreensivas e mais reticulares.

Referências:

DI FELICE, Massimo et all. Manifesto pela Cidadania Digital. Lumina, v. 12, n. 3, p. 3-7, 2018.

DUNKER, Christian et all. Ética e pós-verdade. Porto Alegre: Dublinense, 2017.

SILVA, Roberto Rafael Dias da. Educação, tecnologias 4.0 e a estetização ilimitada da vida: pistas para uma crítica curricular. Revista IHU Ideias, v. 18, p. 1-36, 2020.


Imagem de destaque: Ludovic Toinel / Unsplash

 

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