O que desperta meu olhar no momento presente e já de algum tempo, são as relações interpessoais engendradas no interior dos locais de trabalho. Lá, onde os muitos e diversos seres humanos são colocados para agir em busca de um mesmo fim. Ali mesmo, onde estão em disputa múltiplos desejos, vontade de fazer um bom trabalho ou simplesmente a intenção de cumprir com a obrigação.
É também nesse ambiente que muitas traições ocorrem, onde a possibilidade de fazer amigos é algo difícil de ocorrer, dado que, como dizia Hobbes, quando dois seres humanos pretendem alcançar um mesmo objetivo e, considerando que apenas um dos dois pode atingi-lo, então, nesse momento, instala-se a guerra. Há uma ressalva feita pelo próprio Hobbes: a guerra é instaurada onde não há o Estado. Impera a guerra de todos contra todos onde prevalece a lei do mais forte. Onde o mais forte se concebe como tal e aciona todas as armas para atacar os demais. Nesse contexto não há lei. O contexto do trabalho está muito distante do estágio selvagem concebido por Hobbes, pois vivemos em um mundo civilizado.
Mas, no mundo civilizado, passamos a conviver com idiotas. Já me adianto, para esclarecer que não estou fazendo nenhum xingamento, tal como o termo passou a ser usado em nossa cultura, inclusive, com uma conotação preconceituosa, já que em sua significação latina o termo idiota é definido como imbecil, ignorante, estúpido, de pouca inteligência, em função de algum desvio psíquico. Algo que Dostoievski compreendeu muito bem.
O Idiota, que tem chamado minha atenção é um termo originário do grego, idios, idion, quer dizer, de caráter próprio, particular, separado, privado, daí também o termo idiossincrático, idiossincrasia. Lá na Grécia clássica, quando os gregos criaram a democracia, uma forma de governo que tinha em seu cerne, a reunião de cidadãos em uma assembleia, com o propósito de administrar a cidade, onde os cidadãos tinham que agir com base em três princípios fundamentais: isonomia (todos os cidadãos têm o dever e o direito de tratar todos os outros sob o princípio da igualdade de direitos). Assim, guiados por esse princípio, nenhum cidadão pode ter qualquer privilégio, nem exigir para si, privilégio algum. Não é porque é filho do imperador que terá acesso ao melhor assento, ou qualquer que fosse o privilégio. O segundo princípio é a isegoria (qualquer cidadão terá direito de fala e, nesse caso, terá que lhe ser assegurado também a escuta, uma vez que esta constitui o discurso. Daí a necessidade de a assembleia dos cidadãos assegurar para todos e cada um o direito de falar e o dever de escutar). No tempo de Péricles, durante o século V a.C., os gregos de Atenas implementaram a Democracia Direta, quando surgiu também, dois outros conceitos importantes e determinantes para a consolidação da democracia: a autonomia e a cidadania. Conceitos fortemente conectados aos dois princípios acima.
O idiota, em seu sentido originário, é aquele que, mesmo tendo o direito de participar da assembleia e contribuir para a tomada de decisões, ele mesmo, de forma autônoma, decide não participar. Mas, quais são os motivos que o distanciam da assembleia? Da praça pública? Uma vez que era ali, naquele espaço que cada cidadão poderia fazer uso dos seus direitos e lutar pela deliberação de algo de interesse comum? Aí está o grande problema do idiota. Ele não suporta o público. Ele não suporta o “interesse comum”. O idiota só enxerga aquilo que apenas ele pode adquirir. O que lhe apraz é a satisfação dos seus próprios desejos. Seu regozijo está no âmbito do privado, daquilo que está separado de todos os outros. A cidade o interessa apenas naquilo pode lhe render algum benefício. O idiota não é, enfim, alguém que foi expulso da assembleia por discordância da maioria. Ele não se presta a esse trabalho de tentar convencer os outros de que suas ideias são as melhores.
Mas, a partir da modernidade, eles passaram a ocupar cargos públicos importantes e hoje alguns são prefeitos, governadores, diretores de escolas, reitores, presidentes da república, são apenas alguns exemplos do poder executivo. Ao assumir tais cargos, o que eles fazem? De maneira autocrática, passam a agir nas instituições públicas como se estivessem em suas próprias casas ou empresas. Quando isso ocorre, uma ação comum a ser efetuada pelos idiotas, é promover uma incessante e continuada perseguição àqueles que são tomados por eles, como seus inimigos. Mas tal perseguição não ocorre de forma aberta, falta-lhes coragem para agir à luz do dia. Suas ações são sorrateiras, são fruto de armadilhas, geralmente travestidas de legalidade, com o propósito de destruir a imagem e a dignidade de qualquer um que for transformado em inimigo.
Como lidar com os idiotas? Como a mentira é uma de suas principais armas, o melhor combate é com a verdade dos acontecimentos. Com o fortalecimento das redes de contato do próprio contexto do trabalho, com um claro objetivo de promover a realização de ações conjuntas e que possam fortalecer o coletivo. É com diálogo, paciência, clareza de pensamento e de propósito, que será possível desempenhar um bom trabalho, tendo em vista o respeito e cuidado com as pessoas do trabalho e com aquelas que são a razão de existência do serviço público. Nessa luta, talvez, o mais difícil seja aprender a trabalhar em grupo, com objetivo de promover e proteger o coletivo.
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