Por que ensinamos o que ensinamos?
Buscar um sentido para a educação escolar é imprescindível para que se defina qualquer tipo de ação nesta área. Dessa forma, fazer com que o conhecimento trabalhado na escola tenha sentido é algo que desafia educadores e sociedade em busca de uma justificativa para que exista o ensino regular.
Nesse contexto, cabe analisarmos para quê servem as disciplinas escolares. Porventura, haveria alguma prioridade dentre as disciplinas? Como se justifica a distribuição de carga horária e o critério de existência de determinadas abordagens de conteúdo em algumas disciplinas, enquanto que outros conteúdos não fazem parte do repertório trabalhado na escola?
É certo que, no ensino básico, a organização e definição sobre disciplinas devem existir (mesmo que seja para escolher o formato que a escola irá trabalhar conteúdos). Se por um lado há uma definição a respeito de quais áreas de conhecimento a educação deve se pautar, por outro, não há um consenso a respeito da importância das disciplinas. Diante disso, qual a justificativa para que determinada disciplina ou área de conhecimento seja preterida em relação a outras? Esta justificativa seria financeira (ou seja, determinada disciplina não geraria lucro para a vida futura do aluno)? Seria uma justificativa baseada na relevância social que determinada disciplina tem quando comparada a outras? Se não for baseado na importância financeira ou social, estaria uma disciplina acima da outra porque algumas disciplinas (mais do que outras) promovem o desenvolvimento cognitivo (psicomotor, habilidades e competências) dos educandos?
Nesse sentido, gostaria de pontuar algumas características da Educação Física que julgo serem importantes para que, não somente os profissionais de Educação Física, mas, principalmente os docentes de outras áreas entendam algumas questões que a referida disciplina engloba.
Primeiramente, é justo ponderar que Educação Física não é sinônimo de esporte ou brincadeira. Erra o professor de outra área, mesmo quando apoia a referida disciplina, quando diz: “Creio que Educação Física seja importante, para que o aluno não fique somente estudando. Precisa relaxar!”. Como?
Mesmo que, infelizmente, nem todos os professores saibam justificar a existência ou a função de sua disciplina no desenvolvimento dos alunos, cabe ao professor de outra área entender o conjunto de práticas existentes no contexto escolar como um todo (práticas que proporcionam diferentes experiências ao corpo discente).
Há diferentes contextos e abordagens pedagógicas que fazem com que a Educação Física possa se manifestar de maneiras distintas. No entanto, o que se vê na compreensão atual de muitos educadores é uma errônea concepção do que é, de fato, a Educação Física (considerando todos os avanços que foram alcançados e as obsoletas definições baseadas no senso comum). Assim, pois, é válido que sejam tecidos alguns esclarecimentos sobre, pelo menos, o que não é a Educação Física:
– Não é muleta para outras áreas do conhecimento, pois possui seus próprios conteúdos e objetivos (a não ser que se pense em uma abordagem inter ou transdisciplinar, fato que exigiria não somente o esforço da Educação Física para auxiliar outras áreas, mas também o esforço de outras disciplinas para auxiliar o desenvolvimento da Educação Física);
– Não serve para relaxar os alunos ou como válvula de escape do estresse gerado por outras disciplinas (como se as outras disciplinas fossem proibidas de utilizar-se de dinamismo, da prática em áreas abertas, da experimentação);
– Não possui, em suas diretrizes, a função de treinar os alunos e formar esportistas (isto é função de algo chamado treinamento, que, em geral, é desenvolvido no contra-turno e possui objetivos específicos voltados ao rendimento);
– Não é menos importante que outras disciplinas (pois, também não caberia a um professor de Educação Física achar irrelevante o ensino de alguma outra disciplina);
– Não é irrelevante socialmente, pois, em suas bases possui inúmeras abordagens dentro das concepções pedagógicas críticas (promovendo, em suas práticas, uma análise para mudança social);
– Não pode ser usada como forma de punir os alunos. Isso ocorre quando são estabelecidas restrições para indivíduos não estarem presente na aula de Educação Física (devido a problemas de comportamento manifestados em outras disciplinas). Dessa forma, pune-se o aluno, já que, em sua maioria, gostam da Educação Física;
– Não deve ser utilizada para ‘ensaios’, por exemplo, de festa junina, dentre outros eventos, prejudicando, dessa forma, o andamento do currículo estabelecido no plano de ensino pelo professor;
– Não é recreação, brincadeira, esporte, embora estes possam ser conteúdos da Educação Física. É válido lembrar que ‘recreação, brincadeiras e esportes’ também podem ser conteúdos de outras disciplinas;
– Não é uma disciplina fácil (isenta de possibilidade de reprovação), a não ser que se pense que conteúdos relacionados à fisiologia do exercício, cultura corporal de movimento, psicomotricidade, anatomia, cenesiologia, cineantropometria, biomecânica ou biofeedback sejam conteúdos que exigem irrisória capacidade de compreensão;
– Não é irrelevante do ponto de vista do futuro laboral dos alunos, a menos que se pense que as Olimpíadas do Rio de Janeiro não movimentaram recursos do ponto de vista econômico;
– Não é irrelevante do ponto de vista cognitivo, a menos que se pense que não há conexão entre o movimento e o cérebro, a menos que se pense que não existam funções executivas no planejamento das ações, a menos que se pense que não exista memória procedimental, nem mesmo que o hipocampo não tenha relação com as recordações relacionadas à motricidade;
Aqui poderiam ser discorridas questões levantadas por inúmeros autores da área para que seja dito o que é a Educação Física. Certamente que se determinado indivíduo possui alguma das percepções elencadas acima do que não é a Educação Física, não conhece a área.
Portanto, tentar entender a função da educação é válido, a partir do momento que se busca dar significado às manifestações escolhidas na organização dos conteúdos que serão tratados no ambiente escolar. Se esta organização se der no formato de disciplinas (o que também é uma opção, já que existem outras maneiras de organizar o currículo), é importante que estas tenham relevância, que conversem entre si (numa abordagem interdisciplinar) ou que estejam fundidas (a partir de um conceito transdisciplinar).
Há uma condição para que se responda a pergunta “para que ensinamos o que ensinamos?”: abaixo aos “pré conceitos” e a busca por reflexões.
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