Universidades: interesse público e limites da crítica – exclusivo

Marcus Vinicius Corrêa de Carvalho

 

A crise da instituição universitária muitas vezes é tratada como decorrência de diagnóstico melancólico de um mal-estar relativo a certo sentimento nostálgico que se ressente da perda de uma posição enobrecedora, circunspecta e ilustre que as universidades teriam tido no passado e que no presente haveria se esvanecido. Contudo, uma visada crítica sobre a história da universidade teria dificuldade de sustentar a proposição de que houvera em algum momento um corpo de elite capaz de se estabelecer acima, e infenso, às disputas e aos conflitos históricos e sociais. Ao contrário, como é próprio da condição humana, encontra-se nessa história um sem número de injunções, de contingências, de contradições, de conflitos, de inflexões, de permanências e de mudanças que emergem em processos dinâmicos instáveis na disputa pelo estabelecimento e pelo rompimento de limites na criação de práticas e critérios de conduta social e política, de tradições, de poderes e de instituições.

Não de outro modo, as universidades estiveram, desde a origem, imersas nos dilemas criados por seu contexto histórico e social e por elas mesmas, prenhes da contradição que tensiona os limites entre consciência pública e consciência corporativa. Uma contradição constitutiva explicitada pelos conflitos e conciliações com poderes instituídos em nível civil e eclesiástico, como ainda na busca pela afirmação de um perfil de pensamento singular e unitário. A submissão à Igreja, o estabelecimento de uma perspectiva clerical e a liberdade de pensamento, a vinculação ao Estado, e ao seu patrocínio, e a emancipação da construção do conhecimento, são tensões que enfatizam a dramaticidade da gênese de sua realidade em meio às solicitações sociais e à inserção histórica. A relação política entre universidade e Igreja ou entre universidade e Estado, já nos séculos XII e XIII, fora marcada pela tensão inerente ao risco da tarefa de construir limites e ultrapassá-los dentro dos marcos da diversidade de interesses, explicitada na efervescência cultural das universidades de Oxford, Paris, Bolonha e Pádua.

Quando da redefinição de ideia de universidade no período moderno, no século XIX, as concepções de Schleiermacher, Fichte e Humboldt, por exemplo, procuravam compatibilizar a liberdade de pensamento com as ordens política, jurídica e escolar, sustentando a tensão inerente a esse interesse. Na disputa dessas concepções os projetos de universidade não deixaram de erguer-se através da crítica do sistema estabelecido internamente, por um lado, e por outro da crítica de sua vinculação a outros poderes institucionais que pesam sobre ela, considerando suas injunções éticas e políticas a fim de ponderar sobre fatores internos em seu contexto institucional social, político e histórico.

É imprescindível levar a sério o fato de que, invariavelmente, o passado oferece uma trama processual mais complexa que interpretações pouco mediadas feitas no presente podem supor. Do mesmo modo, a realidade presente demanda atenção à sua complexidade a fim de ser interpretada como experiência histórica. No caso da universidade contemporânea, a demanda por adaptar-se ao tempo histórico vem sendo mediada pelo mercado, pela tecnocracia de pretensão científica e pela organização empresarial funcional e produtivista. Essa pauta heterônomica vem forjando um processo de esmaecimento institucional que aparece como seu inexorável dever-ser. Emerge, então, nessa atividade adaptativa o perfil organizacional que incorpora critérios extrínsecos sob o paradigma da gestão universitária em que a privatização opera o desmonte de seu compromisso público, entronizando critérios tecno-economicistas subordinados ao mercado. Essa atividade coaduna-se a discursos sobre o atraso e o arcaísmo da estrutura da universidade em dissonância com a civilização industrial.

A desarticulação da esfera pública, a restrição de direitos e a despolitização preparadas pelas ditaduras, consumadas pelos governos eleitos nas democracias formais latino-americanas que as substituíram, impactaram as políticas sociais em sua autonomia decisória e, necessariamente, a educação nos últimos 50 anos. O encantamento sedutor do novo sustentado pelo ideário de progresso propõe que o sistema universitário dilua as diferenças entre público e privado em um processo de adaptabilidade que instrua a desinstitucionalização universitária como identidade, assumindo uma postura acrítica, neutra, utilitária e funcionalista em que possam vicejar Prouni, Organizações Sociais e pós-graduações lato senso pagas, etc.

Sob pena de não podermos colocar nada em questão a partir da universidade, é determinante colocar a universidade em questão. Afinal, ela manteve desde suas origens uma relação instável de caráter ético e político, mas também lógico e cognitivo, em sua inserção social e histórica, tensionando os limites da crítica para questionar interesses hegemônicos. Ser mais que uma prestadora de serviços exige da universidade o questionamento das crenças, dos costumes, dos valores, das sociabilidades e dos conhecimentos que a engendram.

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