Série Golpe da coalizão PiG/PBBB no Brasil (2016) em diálogo com O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852) – exclusivo

Texto 1. A peculiar doença parlamentar de ontem e hoje

Matheus da Cruz e Zica

A sombra do golpe de Estado tornara-se tão familiar aos parisienses sob a forma de fantasma, que quando finalmente apareceu em carne e osso não queriam acreditar no que viam. (O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Karl Marx, 1852)

Admitamos. Muitos de nós brasileiros estamos numa situação bastante próxima desses parisienses de outrora. Os mais velhos achavam que já haviam feito sua parte durante os anos de chumbo e que as Diretas Já e a Constituição Cidadã de 1988 teriam significado a redenção brasileira das garras do autoritarismo. Mais uma vez convocados, uns se mostram indispostos e outros se renovam ao reassumirem a tarefa, lembrando-se que a luta pela democracia deve ser permanente e constante. Os jovens adultos, que não viveram sob o regime militar e que foram bombardeados na infância por referências patéticas como o Show da Xuxa, hoje se veem desafiados a se preocuparem com uma coisa bem mais concreta e séria que os canais do YouTube e as séries americanas. Já os secundaristas, ao que parece até mais que os universitários, acabaram ressurgindo na cena política brasileira, com presença marcante nas Jornadas de Junho de 2013 e agora na luta contra o Golpe, sobretudo em São Paulo, impulsionados também pela mobilização em torno da CPI da Merenda, referente a desvios do Governo tucano de Alckmin.

Antes de todos nós, membros do povo brasileiro, sermos sacudidos de um sono político letárgico parece ter sido

… necessário passar por aquela doença peculiar (…), ocretinismo parlamentar, que mantém os elementos contagiados firmemente presos a um mundo imaginário, privando-os de todo senso comum, de qualquer recordação, de toda compreensão do grosseiro mundo exterior (…). (O 18º Brumário de Luís Bonaparte, p.54)

Quando Marx diz isso não estaria ele descrevendo, com precisão, o que viria a ocorrer mais de um século depois de sua morte num país muito distante da Europa? Os discursos dos deputados federais, que os brasileiros acompanharam estarrecidos no domingo do fatídico dia 17/04/2016, ocasião em que votaram a favor do impeachment da presidenta eleita pelo povo, foram o sintoma cabal de que essa doença no nosso caso já havia chegado a um estágio avançadíssimo.

Apesar dessa nossa ligação com a política parlamentar do século XIX, temos de reconhecer também que algumas coisas se diferenciaram. Onde estava a “linguagem respeitável, hipocritamente moderada, virtuosamente corriqueira” (O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p.47) que se costumava utilizar pelos políticos naquele contexto? No tal domingo do dia 17/04/2016 percebemos que isso desapareceu. Em nosso caso não houve hipocrisia para se esconder a ignorância, até porque se tornou fato notório que faltavam-lhes os recursos para tal. Os berros e palavras de péssimo gosto inundaram o ambiente. Pior que isso foram as menções a pressupostos típicos de egoísmo narcísico em estágio infantil que eles expressaram no afã de justificarem seus votos imundos.

Os movimentos sociais agora tentam remediar esse quadro para que o Estado não se transforme, literalmente, em um Estado terminal. Temer e seus comparsas não escondem em seus discursos e práticas – apesar de estarem temendo e evitando aparições públicas – que querem exatamente aniquilar o poder do Estado, neutralizá-lo em sua função mais importante que é a redistributiva.

 

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