Resistência e resiliência de uma intelectual negra na enfermagem do Amazonas

Cassia Camila de Oliveira Araújo1

Sibila Lilian Osis2

Selma Barboza Perdomo3

Josephina de Mello, uma enfermeira diplomada, em 1947, pela Escola de Enfermagem de São Paulo (EEUSP), foi uma das alunas destaques que quebrou os estigmas sociais por ser negra. Nascida no Amazonas, em Manaus, era filha do brasileiro Juvêncio Paulo de Mello, e de Florence Albertha de Mello, enfermeira obstétrica e nascida em Barbados no Caribe, região colonizada por ingleses. Estudou no Colégio Estadual do Amazonas e formou-se como Professora Normalista pelo Instituto de Educação do Amazonas. Teve formação de Samaritana Socorrista pela Cruz Vermelha Brasileira de Manaus, em 1943, durante a Segunda Guerra e em 1944 ingressou na EEUSP. As poucas mulheres negras oriundas das regiões norte e nordeste que lá estudaram contribuíram ativamente para que pessoas negras, independentemente da classe social e da formação educacional, pudessem ingressar na universidade. A partir do governo do presidente Getúlio Vargas observamos a ampliação da presença, de homens e mulheres afrodescendentes na enfermagem, assim como arte, ciência e ideal.  

Sua posição social e educação bilíngue fizeram com que se destacasse entre as alunas. Foi contratada pelo Serviço Especial de Saúde Pública e recebeu uma bolsa para estudar na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, concluindo o curso em 1951. Também atuou no Acre, Pará, Rondônia, Pernambuco e Minas Gerais. Ao retornar a Manaus, assumiu o cargo de Provedora a Santa Casa da Misericórdia, o que normalmente era destinado aos homens, e que ocupou por quase 20 anos. Em 1955 foi designada como professora da Escola de Enfermagem do Amazonas (EEM), e no ano seguinte, assumiu o como vice-diretora. Foi paraninfa das turmas de 1961 e 1971, patrona na turma de 1967, e foi nome da turma em 1965 e 1978.

Participou da elaboração do “Guia para Escuelas de Enfermeria em la América Latina” coordenado pela Organização Panamericana de Saúde em 1961. Publicou artigos em revistas direcionados para a formação, estruturação e currículo dos cursos de Enfermagem na realidade brasileira. Pela sua atuação, tanto no campo prático como também nas contribuições intelectuais e organizacionais, recebeu medalha de prata por sua participação na melhoria das condições de assistência de enfermagem na Amazônia. 

Foi sócia fundadora da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral, sócia da Associação Brasileira de Técnicos de Administração (Seção Amazonas), Associação de Relações Públicas e do Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares. Ainda, atuou como Vice-presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Amazonas, membro efetivo da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN) Seção Amazonas, membro e Vice-presidente da ABEN Seção do Estado do Pará, e membro da Associação Paulista de Hospitais. Ocupou o cargo de Vice-presidente da Associação das Misericórdias do Brasil, tendo sido representante da EEM na Comissão Inter-gestores em Saúde. Recebeu menção honrosa conferida pela ABEN e Johnson&Johnson, por ocasião da entrega do Prêmio de “Enfermeira do Ano de 1969” no XXII Congresso Brasileiro de Enfermagem em SP, sendo eleita no ano seguinte como “Enfermeira do Ano”, em Manaus, no XXIII Congresso Brasileiro de Enfermagem, em julho de 1971. 

No ano de 1975 se tornou a primeira enfermeira do Amazonas com o título de Doutora em Enfermagem, obtido na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Recebeu a Medalha Ana Nery, conferida pela Sociedade Brasileira de Educação. 

Em abril de 1978 foi condecorada com a Medalha “Mérito Oswaldo Cruz”, conferida pelo presidente General Ernesto Geisel, por indicação do Ministro da Saúde. Tinha uma postura diferenciada e possuía status social na capital amazonense. Foi muito ativa na sociedade amazonense, estando presente em diversas ocasiões com políticos e celebridades locais. Recebeu em 1988 a homenagem da Comissão Executiva Estadual criada pelo Governo Amazonino Mendes, sendo eleita a receber a Homenagem Vulto Estadual do Amazonas, pelos serviços prestados, bem como representar a raça negra no ano do Centenário da Abolição. Faleceu na sua cidade natal, em 1995.

A vida de Josephina de Mello, sua trajetória e as ações, que mesmo diante da resistência imposta pelo racismo brasileiro, não impediu que se tornasse um exemplo de resiliência, mas também de objetividade e persistência, não somente em âmbito regional, mas também nacional. Em sua carreira contribuiu para melhorias no atendimento à saúde no Estado do Amazonas, assim como para a educação dos profissionais, trazendo avanços e melhor estruturação para o ensino de Enfermagem. Josephina de Mello consiste em uma intelectual de suma importância para enfermagem amazonense, propagando o conhecimento e incentivando a formação e capacitação dos profissionais, permitindo repensarmos as histórias e narrativas regionais para além dos grandes heróis.

 

1 – Acadêmica do Curso de Enfermagem da Universidade do Estado do Amazonas (UEA); Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica na UEA e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas.

2 – Professora na Escola Superior de Ciências da Saúde da UEA. Enfermeira com Mestrado em Saúde do Adulto pela Universidade Federal de São Paulo. Aluna de Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Linha de Pesquisa: Instituições, Práticas Educativas e História.

3 – Professora na Escola Superior de Ciências da Saúde da UEA. Doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação da UERJ – DINTER UERJ/UEA. Linha de Pesquisa: Instituições, Práticas Educativas e História.


Imagem de destaque: Campos, Paulo Fernando de Souza e Oguisso, Taka. A Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e a reconfiguração da identidade profissional da Enfermagem Brasileira. Revista Brasileira de Enfermagem [online]. 2008, v. 61, n. 6 [Acessado 19 Agosto 2021]. pp. 892-898.

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