O estudo das relações étnico-raciais na educação de jovens e adultos

Maria Marlete de Souza1

A discussão sobre a educação das relações étnico-raciais na Educação de Jovens e Adultos se tornou necessária para além da dimensão socioeconômica, apontando também para uma abordagem crítica da desigualdade racial, de gênero e da diversidade sexual. Com relação aos analfabetos com 15 anos ou mais, os dados observados no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 apontam que o número de pessoas negras (8,9%) atinge uma diferença de 5,3 pontos percentuais com relação ao número de pessoas brancas (3,6%) que não sabem ler nem escrever. Quando nos focamos no grupo etário de 60 anos ou mais, esta diferença é ainda maior levando em consideração que a taxa de analfabetismo dos brancos alcançou 9,5%, enquanto que entre as pessoas pretas ou pardas, esta taxa chegou a 27,1%. Os números apresentados mostram o quão desigual é o processo de escolarização no Brasil legitimado pela desigualdade social, material e simbólica, vivenciada por brancos e negros, deslegitimando a igualdade de acesso à educação como bem social. Desta forma, a discussão sobre o abandono da escola, o trabalho infantil, a maioria de negros na EJA e as questões étnico-raciais precisa estar presente nos debates e nas práticas educativas provocando uma reflexão sobre o cenário apresentado.

Estes dados chamam atenção e nos convida a refletir sobre a educação das relações étnico-raciais na Educação de Jovens, Adultos e Idosos. É importante ressaltar que a necessidade de trazer esta discussão para dentro da sala de aula não se justifica somente pelo maior número de sujeitos pretos e pardos na EJA, mas também objetivando provocar uma rediscussão à luz de uma educação de jovens e adultos e idosos numa perspectiva antirracista. Segundo a Professora Nilma Lino Gomes (2021), as mudanças sociais, a produção de conhecimento, a atuação dos movimentos negros e de pesquisadores negros na área da educação dialogam ou indagam a EJA, provocando uma mudança de perspectiva em relação a questão racial. Gomes aborda também a ausência do debate, do estudo, da produção de pesquisa, dos projetos de extensão e de produção de material pedagógico visando também uma educação antirracista dentro da EJA no âmbito institucional. Há um movimento crescente e positivo, embora de pouco destaque, mas há muito o que ser explorado no campo da EJA, articulando a produção do conhecimento com as relações étnico-raciais. Assim, não há como negar a necessidade de apresentar esta discussão para a EJA, olhando para os educandos e educandas em todas as suas dimensões socioeconômicas, gênero e raça, abrindo caminho para um debate sobre as questões sociais, raciais e o racismo institucional e estrutural, buscando trazer a discussão de uma educação antirracista para os educandos e educandas no ambiente escolar. É preciso considerar que estes sujeitos sociais que carregam consigo suas lutas e subjetividades marcadas por essas experiências com os seus chegam à escola trazendo todas as suas memórias culturais construídas ao longo da vida e esta trajetória precisa fazer parte dos conteúdos curriculares ao longo do percurso escolar. São sujeitos coletivos que têm uma história, uma trajetória individual e ao mesmo tempo coletiva que dialogam com o percurso escolar e com a vivência dos grupos e essa é a principal razão para a construção desse debate. 

Vale destacar que esta discussão precisa acontecer para além do currículo escolar, com diálogo, reflexão e questionamentos dos educandos e educandas diante da realidade da presença maciça de negros e negras nas escolas de periferia e na modalidade da EJA, ou seja, o cenário atual exige mudanças urgentes e necessárias com discussões construídas na prática e nas relações sociais entre educador e educandos nas escolas.

O fato de não considerar todas essas questões, implica em não reconhecer a desigualdade social e racial, o que reforça o discurso, que é reelaborado sempre, de que “vivemos em uma democracia racial”. Considerando o amparo legal, temos a Lei 10.639/2003, com a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana na educação básica, a Lei 11.645 de 2008 que inclui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena na Educação Básica, bem como o Parecer CNE/CEB 16/2012 e a resolução nº 8 de 2012 que estabelecem a modalidade de educação escolar quilombola também na Educação Básica. São instrumentos de poder legalizados com o objetivo de garantir a estas populações valores, conhecimento e reconhecimento de uma educação que visa a continuidade histórica de suas culturas objetivando melhor compreensão da diversidade étnico-racial e das relações plurais entre os sujeitos na escola e na vida, contemplando os sujeitos da Educação de Jovens, Adultos e idosos, com a construção da identidade social e racial na perspectiva crítica antirracista, bem como nas relações sociais estabelecidas entre estes sujeitos no ambiente escolar. Dessa forma, torna-se mais que necessário a construção de uma abordagem pedagógica que contemple o aprendizado dessas questões, não como uma matéria à parte, mas como conhecimento que se faz além dos conteúdos programáticos registrados nos livros didáticos que, quase sempre, perpetuam um modelo europeu branco nos currículos e livros didáticos.

 

1 – Mestra em Educação (FaE/UFMG), Especialista em Gestão das Instituições Federais de Educação Superior (FaE/UFMG).




Imagem de destaque: Autora

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *