Notas a partir dos escombros dos três poderes no Brasil atual

Matheus da Cruz e Zica

A teoria tripartite de Montesquieu vingou em fins do século XVIII quando considerada a melhor maneira de se organizar os nascentes Estados democráticos por parte de uma burguesia ascendente que procurava minar as monarquias absolutistas. A organização independente entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário compõe o foco principal dessa teoria, em nome da contenção de possíveis abusos que um ou outro viesse eventualmente a cometer.

No Brasil, no entanto, essa célebre e fundante distinção entre os três poderes jamais funcionou. “Grandes acordos nacionais”, “Com supremo, com tudo!” a inviabilizam continuamente. No caso mais recente, todos os fatos mostram que o “acordão” de 2016 entre os poderes veio se aperfeiçando até aqui e que, durante esses três anos, não assistimos a outra coisa senão à falência da democracia representativa tripartite liberal-burguesa.

Primeiro é preciso afirmar que a teoria dos três poderes – que como já foi dito remete ao século XVIII – não levava em conta outras duas instâncias de poder extremamente relevantes que passariam a ter papéis cada vez mais preponderantes: a saber, o quarto poder, que é o da mídia; e o quinto poder, que é o do capital. Por fora dessas cinco instâncias de poder, corre ainda o sexto poder, aquele que é o mais temido porque mais poderoso, e por isso mesmo o mais escondido – aquele que é mais posto em estado de latência por não ser formalmente nomeado: a saber, o poder do Povo – naquilo que dele não pode ser representado. Vamos ilustrar isso a partir do dramático caso brasileiro que temos visto agonizar.

Entre 2015 e 2016, contra o poder Executivo razoavelmente social-democrata exercido pelo PT na pessoa de Dilma Roussef primeiro se insurgiu o poder Legislativo em conjunto com o poder da mídia capitaneado pelo grupo Globo. Nesse processo o poder Judiciário, a partir de sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal, participou de maneira tímida (mas já ativa) no processo de impeachment da presidente eleita quando não considerou inconstitucional a acusação.

Resumo da ópera: O sexto poder, o poder Popular, foi traído pelos membros do poder Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. O poder Popular foi traído por aqueles que teoricamente seriam os representantes do povo.

O conflito de interesses entre o povo e seus representantes é evidência clara de que essa representação é falaciosa. É muito certo que o elemento preponderante para explicar essa defasagem entre o povo e seus representantes é o poder do capital. A indústria das campanhas políticas faz produzir parlamentares que não têm compromisso com o povo que os elege, mas tão somente com as instâncias financiadoras de sua campanha. Por isso, em suas votações cotidianas, votam em nome da ordem privada, em nome da própria família que é também bastante beneficiada pelo enriquecimento que o cargo de parlamentar permite – enquanto enriquece as empresas que o financiaram.

Ainda tratando do processo de impeachment de 2016, a produção de verniz ideológico, de clima favorável para a tomada de determinadas decisões no lesgislativo, muitíssimas vezes contrárias aos reais interesses do povo, esse serviço sujo foi feito pelo poder da mídia. No Brasil a imprensa se tornou um verdadeiro porta-voz do capital, mas com semblante de apartidarismo. O poder da imprensa, portanto, também se apodreceu e assim, de igual forma, traiu o sexto poder, o poder mais importante, o poder Popular. O PT, o presidente Lula e a presidenta Dilma Roussef foram diariamente exorcizados, demonizados e execrados como verdadeiros bodes expiatórios, Judas para malhação a partir de 2015.

Sobre o poder Judiciário podemos dizer que ele começa sua lambança a partir de baixo. Juízes e procuradores sem expressão, concentrados na região Sul do país, começam a empreender uma cruzada política sob-roupagem de protetores da moralidade do Estado contra a corrupção de políticos e empresários. O poder Judiciário aparentemente estava cumprindo seu papel: conter excessos do poder Executivo, como é de praxe frequentemente afetado pelo poder do capital.

Entretanto, muito ao contrário disso, a tal Operação Lava-Jato – nome de péssima escolha, já que o tom pejorativo não deve ser o da Justiça – fez um enorme trabalho para prender um inocente, ao mesmo tempo em que se esforçava para inocentar criminosos.

O que parecia apenas uma pequena maçã podre do Judiciário, essa turminha localizada lá em seu recanto, acaba, no entanto, por contaminar todo o resto do pomar, já que o STF, a intância máxima do poder Judiciário, passa a endossar a prisão de um inocente e a se esforçar por inocentar os criminosos que a tal operação ditava.

O poder Judiciário passa, assim, a fazer o inverso do que a sua função original demanda. Uma verdadeira perversão da instituição. Essa perversão, que em seu auge deixa o principal candidato para as eleições de 2018 trancafiado numa prisão, condenado sem provas, em segunda instância, sem sequer poder falar com jornalistas… foi essa perversão do Judiciário que consagrou o apodrecimento total do poder Executivo. Abriu caminho franco para a chegada de um bárbaro carniceiro ao cargo máximo do poder Executivo.

Até aqui procuramos expor um breve e esquemático histórico da falência dos três poderes estatais no Brasil de 2015 até aqui. A falência do Executivo, com um bárbaro carniceiro à sua frente; A falência do Judiciário, com um STF parcial que trabalha contra as evidências e a favor de ilações faliciosas; A falência do Legislativo, muito nítida para o Brasil a partir da fala de seus deputados naquele triste espetáculo do dia da votação do impeachment de Dilma Roussef.

O poder da mídia saiu fortalecido dessa falência dos poderes do Estado, aos olhos do poder do capital. Os poderes do estado se curvaram ao poder dessa mídia perversa e muito bem organizada. Já estamos em condições de afirmar que a junção entre o poder da mídia e o poder do capital foi a responsável por sepultar a frágil organização tripartite da democracia representativa liberal-burguesa brasileira.

Mas não é bom se iludir demais quanto ao poder que a mídia detém. Na verdade, na verdade, o coringa do baralho é sem sombra de dúvidas o poder do capital.

Seu poder é que transforma a convicção de juízes; que faz deputados e senadores trairem os interesses do povo que supostamente representam; que possibilita a existência de um poder Executivo ilegítimo; que institui uma mídia manipuladora e pouco profunda.

E aqui se resolve toda a equação. Esses quatro poderes – que para se justificarem socialmente se constituem narrativamente como defensores do interesse do povo –, no mundo factual, é ao poder do capital que eles servem. Em sua luta contra aquele que é o seu principal adversário: o poder Popular. Toda a ironia trágica do Brasil atual reside precisamente na frase do artigo 1º, parágrafo único de nossa Constituição: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Ora francamente: os representantes eleitos mostraram que não exercem o poder pelo povo – mesmo que cheguem aos cargos em nome desse povo. Essa é a primeira ironia trágica.

Já em relação à segunda ironia da frase devemos supor que não pode ter nenhuma graça, já que representa o pesadelo para todo o arranjo montado, para o “acordão” entre os poderes que vem sendo arrastado aos trancos e barrancos no Brasil desde o golpe de 2016. Ironia porque contém a própria chave para a superação da falência dos poderes e consequente triunfo do poder do capital no Brasil atual: quando o povo, esse mesmo do qual emana todo o poder, tiver a energia de se autorizar a escolher a alternativa de excercê-lo DIRETAMENTE.


Imagem de destaque: Tony Winston/Agência Brasília

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