Monteiro Lobato, escritor brasileiro que permanece na história com suas personagens da literatura infanto-juvenil, recebeu o nome de José Renato, quando de seu nascimento. Posteriormente, mudou para José Bento. Por que? Podemos encontrar a resposta no livro de Marisa Lajolo e Lilia Moritz Schwarcz (Reinações de Monteiro Lobato: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019). Parodiando Reinações de Narizinho, as autoras “inventaram” de colocar Lobato como narrador da própria história.
A escolha pela modalidade da escrita autobiográfica, na aparência, deu à história da vida de Monteiro Lobato a intensa movimentação e inquietude que parece ter marcado sua existência. O diálogo direto e constante com o leitor humaniza a figura do autor e faz daquele quase que um confidente. Os leitores privilegiados por Mariza e Lilia, na voz de Lobato, são as crianças, mas também jovens e adultos que mantêm acesa a “alma infantil”. Uma escolha muito feliz…
Da parceria construída pelas autoras – literatura e história – resultou uma produção irretocável! À medida que a biografia vai sendo construída, notas situadas em diferentes lugares nas páginas, vão explicando e esclarecendo significados de palavras, informações sobre História do Brasil e do mundo, sobre homens e situações citados, sobre detalhes da vida do escritor. Assim, texto e contexto se articulam de modo a assegurar a vitalidade da história que é contada. Do mesmo modo, texto e contexto se entremeiam na linha de tempo registrada ao final do livro. É a vida de Monteiro Lobato “fincada” em sua própria trajetória que, por sua vez, está “colada” na história de todos!
Os documentos e imagens trazidos para “vivificar” Lobato, cumprem também, por sua vez, essa tarefa: a escolha do que incluir e o quê deixar de fora, não deve ter sido fácil. Assim, estão dispostos em arranjos bem cuidados, fotografias do escritor, fotografias e desenhos feitos por ele, cartas escritas por Monteiro Lobato e a ele enviadas, capas e ilustrações de muitos de seus livros, entre outros documentos. Importante comentar que o biografado gostava muito de desenhar e seu projeto inicial era a pintura! Os créditos das imagens são a última informação contida no livro. O modo escolhido para registrá-los também foi uma escolha feliz: as informações estão lá, assegurando direitos sem sobrecarregar o texto.
Como Lajolo e Schwarcz resolvem o problema das acusações de racismo, preconceito/discriminação social que pesam sobre Monteiro Lobato? Trazendo os temas, enfrentando-os pela voz do próprio escritor, que não faz um mea culpa, mas os redimensiona ao situá-los em seu tempo, no modo de pensar e agir próprios da elite, lugar que ocupava na organização social brasileira. Esse aspecto, que pode parecer ficcional, tem âncoras em escritos dos tempos finais da vida do autor. No decorrer de todo o livro, a questão do respeito às diferenças, aos diferentes, do respeito aos direitos é o fio condutor que chama à reflexão quem está lendo. Essa é uma sutil, mas assertiva, posição política das autoras.
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A primeira página do livro traz o desenho de Monteiro Lobato lendo Reinações de Narizinho. Trata-se de publicação recente já no âmbito do domínio público (Monteiro Lobato. Reinações de Narizinho. Ilustrado por Lole. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2019). Marisa Lajolo organiza esse livro que traz as onze histórias publicadas em 1947, pela Editora Brasiliense. Quero destacar dois pontos. Primeiro, os diálogos entre Narizinho e Emília, que viajaram até o século XXI para comentar as próprias histórias onde viveram, explicando, sempre ao pé da página, o sentido de palavras em desuso e contextualizando certas passagens a partir de uma visão atual. Entre esses comentários estão as expressões racistas e preconceituosas. Segundo, e mais importante: as ilustrações de Lole são maravilhosas! Lole também ilustra Reinações de Monteiro Lobato.
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Olympia, mãe de Monteiro Lobato, escreveu uma carta à própria mãe Anacleta, contando do nascimento do filho, em 1882. Essa carta é reproduzida no livro biográfico em duas versões: como um texto datilografado e o fac simile. No primeiro, a frase inicial é a seguinte: Mamãe, Graças a Deus […] ontem às onze horas da noite fui muito feliz. O segundo diz: Mamãe, Graças a Deus já estou despachada, ontem às 11 horas da noite fui muito feliz. As autoras não quiseram destacar nem comentar a expressão que marquei com negrito. Entretanto, reproduziram o documento original…!
Imagem de destaque: Reprodução/ Companhia das Letras
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