Mãos Dadas: a educação pública em Minas Gerais

Estela Costa Tiburcio

O possível desgaste da educação pública em Minas Gerais sob a ótica de implementação do projeto. 

Desde sua resolução lançada pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE – MG) em 13 de julho deste ano, o projeto Mãos Dadas tem se estruturado em todas as regiões do estado num misto de fracassos, devido à negativa de implementação por diversos municípios, o que entra em dissonância com as adesões ao plano de municipalização do ensino, que em termos práticos não demonstra garantia de sucesso e manutenção a longo prazo.

Até o momento, municípios responsáveis pela cobertura de grandes regionais de ensino se manifestaram contrários a aderir o Mãos Dadas, como é o caso de Governador Valadares, Juiz de Fora, Contagem, Viçosa, Sete Lagoas, Três Corações, entre outros. As justificativas permeiam a inconsistência do Executivo mineiro em realizar a manutenção do projeto, haja vista a necessidade de adaptação técnica, infraestrutural, além dos docentes nas instituições de ensino que terão suas demandas ampliadas.

Na cidade de Itaúna, conforme apresentou material jornalístico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a não implementação prévia do projeto se deu perante à ausência de diálogo com o meio escolar, também no processo de aprovação da câmara municipal, além de danos provenientes da demissão de servidores e aumento das despesas municipais. Todavia, a municipalização dos primeiros anos do ensino fundamental foi aprovada em Itaúna, ainda que restem diferentes lacunas no projeto que tangem aspectos não somente práticos como também epistemológicos e sociais. Tais prerrogativas dizem respeito à dificuldade de transporte dos alunos (tópico não apresentado na resolução da SEE-MG), a separação de irmãos para escolas diferentes, além da adaptação geral e capacidade de absorção de conteúdo e interação dos estudantes visto que irão conviver com turmas maiores. 

Acredito que a perspectiva deste texto é bem mais de dialogar com quem o lê do que apenas expor os ocorridos em torno do Projeto Mãos Dadas no estado de Minas Gerais. É possível considerar que a era imediatista que vivemos também reverbera no quesito educacional das cidades mineiras independente de seu tamanho ou localidade, assim, decisões são tomadas como forma de marketing que movimenta as competições políticas, embora não assegurem decisões certeiras à população. A urgência de voto e implementação do programa soam como nada mais que atitudes de protocolo, que deixarão o governo com uma lista de feitos vangloriosos ao fim do mandato, ao passo que na prática a educação de crianças não é vista com o olhar progressista, que ao meu ver, é necessário.

Até o momento, o portal Agência Minas do governo do estado contabiliza 3,1 milhões de reais destinados à Fervedouro na Zona da Mata e José Gonçalves de Minas, no Vale do Mucuri/Jequitinhonha. Ambas as cidades têm um grupo singelo de estudantes no ciclo contemplado pelo Mãos Dadas, visto que na primeira foram 419 e na segunda 50 matrículas, sendo estas responsáveis por 100% dos anos iniciais escolares. 

As perguntas que me percorrem são: Como os aproximadamente 592 milhões de reais destinados para o exercício de 2021 serão implementados em regionais mais robustas que venham a aderir o projeto? Há cálculo de imprevistos? Há perspectiva de reajuste salarial aos trabalhadores da educação? Afirmo que até aqui não encontrei respostas completas a respeito, pois além das lacunas da Resolução 4.600/2021, acredito que as pautas abarcadas na Assembleia Legislativa ainda se enquadram em um âmbito de privilégio de muitos que analisam a educação sem nunca ou raramente ter frequentado um espaço de educação pública e, portanto, não direciona os olhos às carências presentes ali e principalmente aos anseios de que anos trilhados na escola abarquem as verdadeiras demandas dos estudantes e comunidade escolar como um todo.

Conforme afirma a deputada estadual Beatriz Cerqueira, presidenta da comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, em um vídeo publicado nas redes sociais em 20 de julho, a transferência de despesas do estado aos municípios somam valores incapazes de serem cobertos pelos recebimentos de recursos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). “Está na ALMG neste momento um projeto de lei sobre o Mãos Dadas, que o governo se tivesse um planejamento teria o enviado ainda em 2020 para que a Assembleia fizesse a discussão, tramitasse e fosse aprovado. E agora em 2021 prefeituras pudessem aderir sabendo da legislação, o projeto não foi aprovado ainda, então o que justifica passar na frente e aderir a um projeto cuja a legislação específica ainda não foi aprovada pela ALMG?” Vale ressaltar que no final de agosto emendas do governador foram enviadas à ALMG para análise, portanto, o projeto ainda segue sem aprovação.

Sendo assim, enquanto nos propormos a refletir acerca dos impactos de despejar projetos na população, para que esta os recebam, se adapte e conteste pouco a passividade que os é imposta nas tramitações, aproveito para citar o patrono da educação brasileira, professor Paulo Freire, que em sua vasta obra valorizou as diversas pedagogias do cotidiano, estas que, quando bem executadas, permitem ao povo amplitude de debate e valorização dos conhecimentos e experiências em suas subjetividades. Freire diz: “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.”

 

Para saber mais:
Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.


Imagem de destaque: Pretição Popular

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