Imprensa e educação: a propósito da violência como educação

Os acontecimentos das últimas semanas no Paraná, que apenas os muitos desavisados chamariam de “selvageria”, como bem o demonstrou o prof. Marcus Taborda em seu artigo aqui no Pensar a Educação em Pauta (ver n.80) , chamaram a atenção da mídia  para a situação da educação e, mais particularmente, dos professores em todo o Brasil.  O jornal mais lido em Minas Gerais, por exemplo, em seu editorial de domingo, dia 03 de maio,  expressou sua posição sobre o tema.

Num claro questionamento à ideia de Pátria Educadora o editorial apresenta, sob o título de “Pátria Violenta”, uma série de reflexões. Começa ele por afirmar que “há algo de errado na pátria em que polícia investe contra professor. Há algo de errado na pátria em que aluno leva pancada de colegas. Há algo de errado na pátria em que armas substituem os livros. Há algo de errado na pátria em que a escola se esconde da imprensa”. Tudo isso, e muito mais, segundo o jornal, impõe uma pergunta: “o que está falho?” E continua: “O  sistema escolar joga luz sobre possível resposta. O professor finge que ensina, o aluno finge que aprende, os responsáveis  fingem que acreditam”.  E continua, ainda a dizer que “há  menos de meio século o Brasil oferecia ensino público de excelência” e que a democratização da escola não veio acompanhada da democratização do conhecimento; que “talentos abandonaram o magistério” e “a carreira passou a ser opção de quem viu esvair-se a oportunidade de abraçar outra profissão”;  que os professores vivem em inúteis greves, às quais a “pátria educadora responde com indiferença, bombas de efeito  moral e pancadaria”. Conclui o jornal que também  “obrigar o Estado a passar do discurso à prática é tarefa difícil” e que “a sociedade, que se indigna diante da praça de guerra em que se transformou a escola, precisa reagir. Só a mobilização organizada e contínua é capaz de transformar palavras em atos. Não sevem quaisquer atos. Só os aptos a sintonizar a educação com as exigências do século XXI”.

Acompanhando há anos a cobertura da mídia sobre  a educação, a equipe do Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022 pode afirmar, com razoável segurança, que esse é o discurso mediano da grande mídia brasileira sobre o tema da educação e, mesmo, sobre a violência cometida contra os professores no Paraná e em boa parte do Brasil.  No caso específico da violência do governo tucano paranaense, há um aspecto importante no editorial do Estado de Minas: a relação da violência com a proposta da Presidente Dilma (Pátria Educadora/Pátria Violenta), o apagamento da responsabilidade do governo Beto Richa (do PSDB) e o deslocamento da violência da rua, da manifestação para a escola: no texto, foi a escola que se transformou em praça de guerra!

Somente uma visão muito elitista de escola e do mundo social  pode  afirmar que há meio  século nossa escola era de excelência. Não havia escolas e, nas que haviam, praticamente 90% dos alunos não concluiam o ensino primário! Falar que esta é uma excelente escola é contar a história dos que tiveram sucesso escolar, não por acaso, justamente daqueles que viraram nossas elites acadêmicas, empresariais e da comunicação. De um outro ponto de vista – da inclusão, da qualidade do material escolar, das políticas de reconhecimento – a escola pública é, hoje, muito melhor  do que aquela de meio século atrás.

Além disso, o diagnóstico é quase rasteiro, a responsabilidade é dos professores, alunos e gestores e, como sempre, os jornais se colocam no lugar de quem classifica os atos como legítimos  ou ilegítimos, a partir de um ponto de vista que nunca é totalmente explicitado. O que a imprensa brasileira não pode enfrentar é o fato de que ela é parte e ajudou a construir um projeto de nação que prescindiu e, em boa parte, prescinde, de uma boa escola para todos e de uma Pátria Não violenta para todos, e não apenas para alguns.

A imprensa brasileira não pode assumir que não mantém editorias profissionais de Educação, porque isso não vende jornal, como dizem, e mandam quase sempre jovens recém-saídos dos cursos de graduação, e  que nunca frequentaram a escola pública, para cobrir justamente aquilo que desconhecem. Não pode assumir que, ao mesmo tempo em que fecham suas páginas para as manifestações dos professores e dos movimentos sociais que os apoiam, adoram publicar atos e palavras (mais estas últimas dos que os primeiros) dos empresários sobre o tema. E, a esse respeito, jamais se perguntam, jamais perguntam aos empresários, que hoje teimam em responsabilizar  a  qualidade da escola pública pela baixa produtividade, por que meios e a custa de quem chegamos a ser a 7ª ou 8ª economia mundial sem precisar de boa escola para todos.

Apontar  que a responsabilidade pelo problema é dos outros, e ao mesmo tempo querer controlar os atos desses outros, é uma ótima e autoritária estratégia de quem não se sente como parte do problema. Mas isso não é surpresa num país em que os empresários somente agora, e em razão da necessidade de aumento da produtividade, descobrem a importância da qualidade da escola para todos (e não apenas para seus filhos e filhas!); em que as camadas médias abriram mão do direito à escola, à saúde e ao transporte público em direção aos privilégios de uma minoria; em que todos, em alto e bom som, anunciam a falência do Estado em garantir uma boa escola para todos, mas jamais se perguntam “quem”  foi/é o Estado no Brasil desde tempos imemoriais; em que os meios de comunicação não ligam a mínima quando os professores denunciam que, como em Minas Gerais, um policial ganha três ou quatro vezes  mais que um professor… neste país, não é de se admirar que a pátria continue a educar os seus filhos e educadores pela violência. 

A questão posta à imprensa brasileira continua, pois, sendo a mesma de sempre: para quem vai a sua cumplicidade – vai continuar do lado dos que sempre estiveram à frente do Estado e fizeram da violência a principal forma de educação de  nossa população, inclusive dos professores, ou vai escolher o outro lado? Talvez a resposta já esteja dada. Mas, o que ela não pode é querer transformar as vítimas em algozes e ainda querer controlar os seus atos de insubmissão e rebeldia!

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