Na última década a questão da internacionalização entrou definitivamente na pauta das discussões científicas no Brasil. Apesar de obscurecida nos últimos anos pelos intensos debates sobre o programa Ciência Sem Fronteiras, suas qualidades e seus problemas, a internacionalização da formação profissional e científica e, de forma mais geral, das ciências brasileiras, é assunto presente nos eventos, na publicações e nas proposições de políticas de desenvolvimento científico e social brasileiro praticamente em todas as áreas do conhecimento.
Também as humanidades discutem amplamente o tema. Apesar de reclamarem, e com toda razão, pela exclusão das áreas de humanas e sociais do Ciência Sem Fronteiras, as comunidades acadêmicas destes domínios não deixam de discutir e praticar a internacionalização. De um lado, estabelecem uma contundente crítica à própria concepção do Ciência Sem Fronteiras que, em sua miopia, acredita que é possível fazer internacionalização das ciências e fazer o desenvolvimento social e econômico do país sem o concurso das humanidades. É como, por exemplo, se pudéssemos dizer que vamos internacionalizar as ciências com o concurso dos engenheiros e físicos, mas sem uma ciência política ou uma sociologia internacionalizadas! Não menos importante é a crítica ao fato de que, sendo um programa de formação, o Ciência Sem Fronteiras não deveria utilizar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, como vem fazendo, pois isso significa, como vem ocorrendo nos últimos anos, minar as possibilidades de órgãos como o CNPq e a FINEP fazerem política científica.
De outra parte, diante do diagnóstico do baixo índice de internacionalização das humanidades, quando comparada a outras áreas, ou de que não temos mais nomes de expressão internacional como tínhamos “antigamente”, os pesquisadores respondem que é preciso considerar o fato de as bases consultadas para aferir a internacionalização além de serem focadas nas publicações de língua inglesa, não levam em conta boa parte das revistas das humanidades, mesmo quando tem uma circulação internacional. Ou, no segundo caso, que hoje a realização de pesquisa em parceria e a produção internacionalizada da área é muito mais abrangente e impactante do que o era nas décadas anteriores, sobretudo porque não está centrada em nomes específicos mas numa miríade de pesquisadores das mais diversas áreas.
Para avançar na internacionalização das humanidades, mas não apenas destas, as sociedades científicas e pesquisadores da área têm defendido que é preciso estabelecer políticas de Estado de produção e divulgação da pesquisa que ultrapassem os programas específicos e fortaleçam as estruturas e órgãos de Estado que lidam com o problema. Numa tal política, a formação de pesquisadores deveria fortalecer programas já consagrados de internacionalização e valorizar o conjunto das áreas.
Mas, sobretudo, a internacionalização não pode significar publicar em revistas estrangeiras indexadas, e sim a criação de mecanismos institucionais e financeiros de internacionalização da pesquisa e de nossas instituições de formação, sobretudo os Programas de Pós Graduação. Tal política não pode ser elaborada de costas para a comunidade científica, nem ser pautada por programas de governos específicos, mas tem que ser planejada a médio e a longo prazos e contar com aporte significativo de novos recursos para a área de ciência e tecnologia.
Neste cenário, a internacionalização da divulgação da produção científica e o impacto da mesma no desenvolvimento científico, tecnológico e social brasileiro é o resultado da internacionalização da pesquisa e de nossas instituições, e não o contrário. E isso somente vai acontecer, de forma perene e sustentável, se além de investir na formação de pesquisadores nas melhores instituições do mundo e nas pesquisas realizadas por grupos transnacionais, nossas instituições universitárias se mobilizarem, e forem apoiadas, também para atração de alunos e professores estrangeiros.
Mas, no que diz respeito especificamente às humanidades, o fortalecimento de sua inserção nesse movimento não pode significar a abdicação de sua tradição de crítica ao lugar das ciências e da tecnologia no mundo social e nos arranjos geopolíticos internacionais. Se à diplomacia e aos órgãos de ciência e tecnologia do Estado cabe mobilizar a ciência e a tecnologia brasileiras como fator de projeção do país no cenário internacional, igualmente cabe à comunidade científica nacional e, notadamente, às humanidades cuidar, por meio de estudos, críticas e, mesmo denúncias, para que no nosso modelo de internacionalização não se repita os modelos estadunidense e europeu que fizeram da internacionalização das ciências e da tecnologia mais uma estratégias de acentuação das assimetrias e desigualdades.
Se nossa internacionalização for assentada em um nacionalismo canhestro, corremos o risco não apenas de, por exemplo, repetirmos com nossos parceiros latino americanos e africanos a mesma lógica que preside a relação de dependência que boa parte da comunidade acadêmica brasileira mantém com suas congêneres estadunidense e europeia, mas também de fortalecermos um modo de produção, de divulgação e aplicação de ciência e tecnologia que pouco, muito pouco, tem contribuído, sobretudo em nosso país e nos países mais pobres do mundo, para a diminuição das desigualdades sociais e econômicas e para o fortalecimento de nossas democracias.
As ciências humanas e sociais brasileiras, neste sentido, podem aportar à discussão e à prática da internacionalização das ciências e da produção de tecnologias uma perspectiva de internacionalidade e, mesmo de ciências, que sejam menos excludentes, menos destruidoras de modos ancestrais de conhecer e produzir, menos concentradora de conhecimento e, logo, de poder político e financeiro, do que as vigentes atualmente. Daí deriva o lugar central que as mesmas deveriam ocupar nas políticas de internacionalização. Não seria, também e contraditoriamente, essa uma das razões da pouca importância ou da exclusão dessas áreas dos programas atuais de internacionalização?