Esse tal de dom

Hellen Lima*

Na minha sala de aula, às 13h00, os alunos lá vão estar.
A professora, atraso não irá tolerar.
Todos na hora precisam chegar.
Não importa onde moram, nem o que fazem. Isso, ela vai desconsiderar!

Todos chegaram e se sentaram, nem um piu ousaram falar.
Senão, a professora ia se esquentar.
Ainda esta faltando a Julia e Fernando chegar!
Já são13h22, falta eles hão levar.
Mas Júlio falou: – Professora, o Fernando trabalha e a Julia gravida está!

A professora diz: – Silêncio! Uma prova eu vou passar.
Os alunos reclamam: prova? Oxe! De qual assunto, que a senhora não dá?
A professora enfatiza: a prova é oral para aprenderem a parar de reclamar!

E nesse tempo, Fernando chegou.
Todo avexado, com semblante cansado e ficou surpreso, estatelado.
Com o que estava escrito no quadro.
Mal sentou e já foi abordado,  a professora logo foi dizendo: – Fernando, você está atrasado!

Mas professora eu trabalho, tô cansado, largo tarde e ás vezes chego atrasado.
Tenho um filho e uma mãe que precisam de mim.
Se eu não trabalho, vai dar ruim!
Fernando fez a prova, desanimado.
Esperou todo mundo terminar e ficou agoniado!
Esse é o castigo pra quem chega atrasado
Ele ficou arretado, tirou 2 e foi pra casa desembestado.

O boletim dele ficou ainda mais avermelhado.
E a professora dizia que ele não era dedicado.
Que ele era largado, maluvido e abiscoitado.
Ela dizia todo dia: -Fernando, não tem o dom de aprender, ele é muito desligado.
Ele ficava atarantado quando escutava esse ditado
e todo dia se perguntava  se tinha esse tal dom, e se era mesmo desligado?

Fernando era bom amigo e querido por todos,
sendo sempre incentivado
Mas chegou um dia que ele não mais aguentava
Ele já estava era morgado.
Estudar e trabalhar ele não tinha mais energia
A vida tava corrida, ir pra escola e trabalhar não tinha mais sincronia
Pra ele tudo se confundia.

A vontade de ir para a escola já não estava mais sentindo.
Pensava: – Vai chegar uma hora que a professora vai resmungar
Já escutava a voz dela a falar: – Fernando você não tem dom pra estudar!

Naquele ano muita gente da sala tinha reprovado
Mas eu, todo agoniado passei foi de raspão,
Mas num arrodeei e fiz uma confusão
Dizendo que se fosse aquela professora de novo
Eu num ia pra escola mais não!

No ano novo, professora nova chegou
A turma não a conhecia
Estavam todos encabulados, mas uma coisa eu percebia,
igual a outra, ela não seria!
Cheguei 5 minutos atrasado
Masela não deu nem um piu
Só me disse: Boa tarde! Chega respondi aliviado,
achei foi ironia.

Essa professora nova era diferente, e eu até achava divergente
essa professora com aquela outra docente
Essa tal de Ana era paciente
Repetia e explicava até duas vezes, diferente.
Respeitava o nosso ritmo de aprender e sabia que demorava pra gente entender
o contexto
E por isso ajudava em tudo que era  preciso.
Ela era flexível!

Eu pensei depois que sentei
Pena que Fernando não está mais aqui
Ele ia ter seus problemas respeitados
E aprender desse jeito tão envolvente
Com essa professora tão diferente
Que escuta e respeita a gente.

Minha turma estava melhorando
E eu tava achando que o dom de aprender
todos estavam buscando
Mas mesmo com a euforia e toda alegria
A nota no final do bimestre sempre caia.
A professora sempre dizia:
Se avexe não, pois vamos conseguir aprender juntos e sempre.

Mas  passado os meses o boato que corria
Era que dela era a culpa de tudo que acontecia:
– Notas baixas, faltas de provas, atividades diferentes
Diziam: – Ela é incoerente!
 A coitada por nós tudo fazia
levando a culpa das notas que sempre caia.

Ela era tão gentil, companheira ponta firme, era rocheda!
Teve um dia que ela foi lá em casa
levar um caderno enfeitado e eu todo abobalhado
Sempre falava, sempre dizia:
É esse tipo de professora que quero ao meu lado
É esse tipo de mestre que quero ser um dia.

Aprendi de um jeito tão envolvente
foi na marra, mas foi eficiente
Como foi custoso aprender e como era difícil entender
essas matérias tão exigentes
Queria tanto que Fernando tivesse a oportunidade de estudar com a gente
E de vê como era diferente essa professora que nos acolhia e era paciente.

Depois das aulas tive a certeza de que tipo de professor eu quero ser
Não era aquele carrasco autoritário e mandão,
É aquele rochedo, companheiro e brincalhão!
Quero despertar nos meus alunos aquele desejo desenfreado de aprender
E exercer o meu legado com uma pedagogia libertadora e amável
e que todos possam participar
E a gente possa estudar juntos e se ajudar
Aprendendo e construindo um futuro exemplar.

*Aluna de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação Humana, Representações e Identidades (GEPIFHRI)


Imagem em destaque: Wonderlane / Unsplash

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *