Automação e desemprego em massa e o conhecimento milenar dos povos

Tiago Tristão Artero

Todo conhecimento é um acúmulo, portanto, baseia-se, sempre, em contextos e soluções anteriormente encontradas/desenvolvidas.

Ocorre que, com as intensas mudanças advindas do que convencionou-se chamar de modernidade, os conhecimentos apontam para cenários claramente insustentáveis, antivida, progressivamente ainda mais colonizantes.

A precarização do trabalho se aprofunda e a automação cria uma imensidão de desempregadxs. Ainda que as pesquisas públicas contribuam para a produção de tecnologia, é no setor privado que as alternativas são escolhidas, de acordo com o que melhor se adequa ao acúmulo de capital e aumento de lucros, o que mais gera exploração.

Não há uma linha clara que direcione a aplicação de tecnologias em favor de ganhos sociais, até porque o sistema que estrutura a formação do psiquismo humano, a partir da colonização, é reforçado pelas estruturas de poder, pela competição com os próprios pares e a obtenção de vantagens inconsequentemente. Isso é ensinado desde o ventre, na cultura “moderna”.

Nem é preciso dizer que o patriarcado, o racismo, a destruição da natureza, a exploração das mulheres (da reprodução pelo próprio corpo e o trabalho não remunerado dos cuidados) e todo tipo de opressão calcam as estruturas, desde as corporações internacionais até os mecanismos implantados nas escolas, localmente.

O conhecimento dos povos brasileiros (que não precisam ser assim nomeados, porque “Brasil” é uma invenção masculina branca), de centenas deles, insistem em fornecer alternativas, soluções e reflexões sobre (ou em substituição a) o sistema depredador em curso.

Ensinam soberania alimentar, ao entender (não cartesianamente) das ciências das florestas e das águas, de maneira não antropocêntrica.

Mostram a importância do Teko (termo usado pelos Guarani Kaiowá, de seu modo de vida) a partir das Retomadas (ocupação do território, do Tekoha). Retomada significa o resgate dos processos vitais e da autonomia/diversidade cultural e territorial, do fim das opressões das mulheres e de um mundo pluriverso.

Assim também apontam diversos povos pelo Brasil afora que “insistem” em não se dobrar à lógica empresarial de vida e de precarização de suas relações, alocando o coletivo em predominância ao egoísmo tão violentamente ensinado nos meios de comunicação e institucionalmente/oficialmente.

Para estes que não se dobram ao capital, a segurança alimentar está incluída neste “combo”, pois sementes crioulas e a celebração da diversidade nas colheitas, nas artes e nas filosofias próprias (não apropriadas pelo predomínio eurocentrado) contribuem para que a “qualidade e suficiência” sobreponha-se à “quantidade, ao desperdício e a uma pretensa eficiência”.

Essa foi a luta de Xurite Lopes, Marco Veron, de tantos familiares delxs também assassinados e ainda é a luta de Damiana Cavanha, Valdelice Veron, Sandra Benites Ara Rete, Ailton Krenak e tantxs outrxs.

Que o Teko faça parte das Retomadas nas escolas e no espaço acadêmico. Que a circularidade oriente a vida e que o etnocentrismo e o antropocentrismo sejam superados, rumo ao alargamento da força da roda dos povos.

Enquanto nossa criticidade alcança, em alguns casos, uma reflexão sobre a importância da práxis, irrisoriamente há um equilíbrio em realizar, de fato, a práxis. Apropriamo-nos fartamente de teorias e pouco modificamos nosso meio.

Refinamos nosso discurso, no entanto, nosso modo de vida/nossas ações continuam alimentando o sistema de opressões. Há quem nos ensine outros caminhos, onde a filosofia não se desvencilhe da prática cotidiana, nem na forma, nem na essência.

Fica a reflexão: queremos mesmo mudança? O quanto queremos? O quanto temos o direito de usar como objetos de estudo as culturas do chão brasileiro sem rompermos com as opressões em curso?

Fica a reflexão de Valdelice Veron (Guarani Kaiowá) durante a Semana do Meio Ambiente (IFMS) e a Semana da Consciência Negra (IFMS) que representa um clamor contra nosso Racismo Ambiental e contra o Racismo Pedagógico que contribuímos direta ou indiretamente:

“Eu queria falar que as flores são bonitas,

que o rio é verde ou azul,

eu queria falar da terra,

mas nós estamos demarcando nossa terra com o nosso próprio sangue.

Nós estamos demarcando nosso rio, nossa floresta com o nosso próprio sangue.

(…)

Você vê eu descalço lá na cidade de Dourados, não é porque eu quero estar descalço.

Se eu estou pedindo pão, representando uma criança.

Se eu estou bebendo caído ali na beira da estrada.

O que será que aconteceu com essa Kaiowá?

Por que tá assim?

Será que essa mulher, esse homem, essa criança foi violada?

Será que humilharam a dignidade, a vida humana dessa Kaiowá, desse indígena?

O que aconteceu?

O que fizemos com esse indígena?

Eu quero que você venha a pensa, a refleti.

Em vez de você, jovem, zoar, tirar sarro, rir desse indígena.

Vamo pensa, refletir junto.

Um caminho de humanidade.

Um caminho de vida.

Um caminho de alegria.”

Fala de Valdelice Veron, Guarani Kaiowá – novembro de 2020, Semana do Meio Ambiente/Semana da Consciência Negra e Encontro dos Neabi’s (IFMS).


Imagem de destaque: Mídia NINJA / Flickr

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