Educação: desafios para a vigilância da doença de Chagas

Lileia G. Diotaiuti*

Os barbeiros, cujo nome científico é triatomíneos, são insetos hematófagos, de grande importância no Continente Americano por serem os transmissores do Trypanosoma cruzi,que causa a doença de Chagas. O Trypanosoma cruzi é um parasita de mamíferos silvestres, que afeta o homem causando grande impacto médico e social, afetando cerca de 8-10 milhões de pessoas, especialmente nos países latino americanos. Nas últimas décadas, a doença de Chagas tem sido frequentemente diagnosticada nos outros continentes, especialmente na Europa, em consequência da migração de latinos para os países ricos, em busca de melhores condições de vida.

A doença de Chagas está diretamente associada aos padrões de moradia da população, pois os barbeiros, insetos originários do ambiente silvestre, invadem as casas e instalam o ciclo de transmissão do Trypanosoma cruzi no ambiente domiciliar e peridomiciliar. Fica clara, portanto, a relação entre a doença, o ambiente e maneiras do homem morar.

No Brasil existem mais de 60 espécies de barbeiros, associados aos diferentes biomas, e mais detalhadamente, a diferentes ecótopos (esconderijos formados entre rochas, copa de palmeiras, ninhos de aves ou mamíferos,etc). Algumas espécies se adaptam mais facilmente às condições artificiais, se alimentando com sangue humano e dos demais moradores das casas (cães, gatos, galinhas, porcos, etc). Com fartura de alimento e protegidos por inúmeros esconderijos, desenvolvem-se colônias formadas por insetos de diferentes estádios de desenvolvimento. Outras espécies não colonizam o novo ambiente, mas invadem as casas voando, também trazendo risco de infecção para os moradores.

Tradicionalmente, o controle dos barbeiros é realizado através do uso de inseticidas, que são capazes de reduzir drasticamente a população de insetos nas casas. No entanto, a ação desses inseticidas passa em alguns meses, e a casa volta a ser suscetível a colonização por barbeiros silvestres. Isso significa a necessidade de uma vigilância continua nas casas, capaz de identificar rapidamente a presença desses barbeiros invasores, evitando a instalação de novas colônias.

O Brasil teve grande protagonismo no desenvolvimento de metodologias para o controle da transmissão da doença de Chagas pelos barbeiros (transmissão vetorial), definindo uma estratégia de controle que foi adotada em diferentes países. Destaco a principal experiência envolvendo a comunidade de Dias e Garcia (1976) em Bambui. Esses autores implantaram uma vigilância com ações educativas irradiadas principalmente a partir das escolas, concebidas dentro de uma práxis transformadora, tendo Paulo Freire e Hortencia de Hollanda como marcos teóricos. A ideia não era de divulgação de práticas de “higienização” das casas, mas sim de ações que levassem a população a observar e refletir sua realidade. Essa experiência deve muito do seu sucesso ao protagonismo de dos pesquisadores João Carlos Pinto Dias, Angelina Garcia e Rosinha Borges Dias. Em meados da década de 80, uma parceria da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais e da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), ousou a adaptação dessa proposta para as áreas em vigilância do estado (Moreno e Baracho, 2000). A experiência trouxe uma capacitação dos agentes de saúde, a época denominada guarda de vigilância, que incluía não apenas as técnicas de captura e borrifação, mas a habilidade de fazer análises epidemiológicas, distinguindo situações que envolviam diferentes realidades, e também de abordagens com a população, de forma a estimula-la a participação. Essa vigilância participativa continuava sob a responsabilidade da SUCAM, seguramente demonstrando o quanto é importante o papel de gestores com uma visão diferenciada e corajosa, capazes de suplantar as limitações institucionais, definidas na ocasião pelo contexto autoritário da política nacional. E a contradição continua, por que dentro do Sistema Único de Saúde, concebido num contexto de ampla democratização, as ações com participação da população não tem recebido apoio na rotina das atividades de controle vetorial. De fato, essa participação deveria vir como consequência de um movimento maior de inclusão social, onde a educação não se dividiria em educação formal ou educação em saúde; onde o acesso a moradias de qualidade fosse condição inerente à de todo brasileiro; onde o respeito à natureza produzisse um convívio harmônico com a natureza e não doença.

Referencias

Dias JCP, Garcia ALR. Vigilancia epidemiológica com participación comunitária. Um

programa de enfermedad de Chagas. Ver. Int. Salud Pub (WHO). 1976; 19: 29-44.

Moreno EC, Baracho L. Vigilância epidemiológica no Programa de Controle da Doença

de Chagas em Minas Gerais, Brasil (1984-1998). Cad. Saude Pub. 2000; 16 (Sup 2):

113-116.

* (lileia.diotaiuti@fiocruz.br) Instituto René Rachou – FIOCRUZ MINAS

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Triatoma infestans, um dos insectos barbeiros transmissores da doença de Chagas. Fonte: CDC

 

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