Conexão – encantamentos do viver e do fazer educação

Ivane Perotti

Nasceu menina. Chegou deslizando sobre as abas do destino. As sílabas abertas dos versos em prosa curvaram-se à vinda. Linhas crespas de vontades esparramaram-se em poética sinfonia. Se chovia, ninguém contou, pois as gotas que caíram, vestidas de sol, cirandaram a estrela. Na ponta dos pés, ela espiou o mundo e anotou as tarefas para uma longa e produtiva estadia.

Às lides dos relacionamentos, entrelaçou amizades. Laços de mãos que o tempo não rompe. Acrescenta. Fortalece. Instala sem perder a cadência dos passos acumulados, das histórias construídas, das narrativas tão singulares e tão comuns na órbita da silenciosa grandeza. Não desenhou camadas, a menina cresceu e construiu escadas. Escadas de acesso ao conhecimento para os inquilinos das ilusões; de acesso à liberdade para os padecentes de ignorâncias; de acesso à educação investida de vida e justiça. A menina plantou ideias; regou-as, uma a uma, com a luta insurgente; com a terra da confiança; com a insistência das almas visionárias. E o fez em caldos de doçura, a mesma doçura da constância que alimenta as guerreiras invencíveis.

Praticou certezas. Abriu mão dos lugares comuns para engendrar verbos de sonhar. Sonhou possibilidades, construiu redes de conexão. Formou-se e formou. Arregimentou um exército de ideadoras e ideadores: praticantes da educação por excelência. Guardou o coração de criança, leve e sereno invólucro da maturação sábia. Poetou, mulher das letras e dos livros, das orações coordenadas em benta harmonia: “No meu coração de criança/ Tem sempre uma voz/que não se cansa /De dizer: — Bem-te-vi, bem-te-vi, te vi…” (ABRAS, 2019.)

Entre os degraus, nas escadas que construiu, vêm beber até hoje os beija-flores e as crianças. Nas páginas de suas obras, cola-se um continuum de alegrias; convites à fruição, ao deleite, ao prazer do caminho bordejado por alma tão cálida.

A sagacidade não lhe extraiu o frêmito: do silêncio ao atroamento, conduziu com habilidade os movimentos vitoriosos, os percalços e as derrotas. Em tempos de demérito, não se apagou mulher. Mulher educadora. Dos filhos aos netos, da família à universidade, reverberou resistências: mestre em tenacidades, furou ondas de violência e apagamentos. Se fez ver. Fez e viu. Viu crescer em excelência acadêmicos/acadêmicas, formandos/formandas, formadores/formadoras; amigos, amigas, professores, professoras. Professantes de saberes nem sempre harmônicos, mas flexíveis. Ela aprendeu e ensinou que o conflito cria, lapida,r enova.” _ Um é cinco, treis é dez – repete um monte de vez/E o preço sai parecido/com a cara do freguês…” (ABRAS, 2019)

Mostrou que o medo pode ser expulso pelo conhecimento e construiu trincheiras de aprendizados. Na baliza dessa guerra, os pontos crescem. A luta pela educação de qualidade é bandeira da insurgência hasteada todos os dias. Sem palco, seguem aqueles que a conheceram e usufruíram de sua companhia. Seguem outros, recém-chegados, que ao se depararem com o seu legado, aproximam-se em parceria.

Não termina aqui essa conexão. Uma vez que, como disse Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.”(1967). Encantada, professora Santuza Abras! Encantada!

Referências

ABRAS, Santuza. Bem-te-verde!7ª ed.. Belo Horizonte: Editora Formato, 2019.

______________. Um é três, dois é dez. 11ª ed. Belo Horizonte, 2019.


Imagem de destaque: pxfuel

 

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