Celulares e fones em sala de aula: sinais distópicos?

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Há muito tempo a ficção científica vem alertando e criando imagens sobre as relações íntimas e conflituosas envolvendo humanidade, tecnologia e natureza. Quando adolescente, ao assistir filmes como Matrix, dos irmãos Wachowski, e ler livros como Eu, Robô, de Isaac Asimov, ficava pensando em quando aconteceria a brusca virada em que as máquinas assumiriam o controle dos seres humanos, por meio de uma revolução simbiótica ou de um golpe violento de poder irreversível. Eu fazia algumas projeções. Nelas, os anos 2020 pareciam um momento possível para a derrocada dos seres humanos diante das máquinas e de seus sofisticados mecanismos bélicos e de sua inteligência artificial. Assim como fiz na juventude, gerações projetaram o momento convulsivo de domínio da tecnologia de ponta sobre seus arrogantes criadores.

Com o tempo, fui percebendo que, provavelmente, a grande transformação apocalíptica, que permitiria uma resistência gloriosa, não viria exatamente da maneira como eu imaginava. Ler O homem pós-orgânico, de Paula Sibilia, e assistir a produções como o filme Ex Machina e a série Black Mirror – até a temporada em que tive estômago para continuar – me fizeram refletir um pouco melhor no sentido de que, embora o desenvolvimento técnico-científico não nos encaminhasse para uma hecatombe em curto prazo, ele continuava a se desenrolar e essa distopia poderia ser mais lenta e angustiante do que vislumbra. As maravilhas tecnológicas, aliadas e também produto do desenvolvimento capitalista e imperialista, estavam profundamente associadas ao desenvolvimento de ideologias que naturalizariam os processos, por mais que sempre existam os gritos dissonantes.

Se as coisas, definitivamente, não saíram exatamente como eu concebia a partir dos filmes e dos livros da adolescência, observando o comportamento de uma parcela significativa de meus estudantes do ensino fundamental e médio hoje, penso no avanço e disseminação das novas tecnologias e nossas dificuldades éticas e comportamentais em reorientar os processos em curso. Entrar nas salas nesse retorno às aulas presenciais, pós necessário e falho ensino remoto por causa da pandemia de Covid-19, tem implicado em repetir inúmeras vezes que os celulares têm que ser deixados de lado e que os fones precisam ser retirados do ouvido. Afinal, o tempo todo parte dos estudantes desejam ouvir suas músicas, navegar em suas redes sociais, acessar seus jogos preferidos, dentre outras formas de entretenimento digital durante as aulas. Os efeitos e paliativos durante a pandemia aceleraram o movimento no sentido da imersão da juventude (mas não só, porque adultos, idosos, crianças, famílias e equipes inteiras de trabalho também estão cada vez mais tragados), em seus aparelhos eletrônicos, plataformas e ambientes virtuais variados.

Nesse contexto, os educadores têm observado que, ao mesmo tempo em que, especialmente, as tecnologias digitais da informação e comunicação avançam, com mais usuários e atrativos, cresce também o número de casos de estudantes com dificuldades de relacionamento, formas de comunicação agressivas, dificuldades em manter a atenção, crises de ansiedade e em casos mais graves depressão e automutilação. A apresentação de um trabalho ou a realização de uma prova têm sido motivo para surtos incontornáveis. Embora existam diversos fatores causadores de sofrimentos aos jovens, que passam por questões de ordem econômica, social e política, no sentido mais ampliado do termo, temos percebido uma convergência entre a expansão do acesso e aumento da quantidade de horas de exposição aos aparelhos eletrônicos e, dessa forma, à internet, às redes, aos jogos e demais atrativos, com a maior frequência de padecimentos juvenis.

Mesmo com essa realidade sendo percebida e descrita pelos professores, gestores e empresários que atuam em escolas e redes de ensino insistem na necessidade de incorporação de mais ferramentas digitais nas escolas para melhoria da educação. Ora, a proposta portanto é aprofundar ainda mais no problema potencial levantado, uso excessivo dos novos instrumentos informatizados, para que as escolas obtenham melhores resultados de aprendizagem? Se o desastre espetacular que eu imaginara na adolescência ainda não ocorreu, o desastre cotidiano, provocado pela não compreensão de que o essencial no processo educativo são as pessoas e a qualidade das relações entre as pessoas, para que existam ambientes propícios para o desenvolvimento saudável, está afetando de maneira decisiva as comunidades escolares. Dessa forma, os estímulos, propositais ou não, para que jovens (e também professores) sejam reduzidos a condição de usuários, empreendedores e consumidores de plataformas robotizadas, como citou em entrevista recente o professor e neurologista Sidarta Ribeiro ao comentar sobre um assunto correlato, restringe as potencialidades de humanização que fundamentalmente passam pela criatividade, pela corporeidade e pelos afetos, elementos fundamentais de nossa condição humana.

 

Para saber mais
SIBILIA, Paula. El hombre postorgánico: cuerpo, subjetividad y tecnologías digitales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.

MANO BROWN RECEBE SIDARTA RIBEIRO. Entrevistado: Sidarta Ribeiro. Entrevistadores: Mano Brown e Semayat Oliveira. Spotify, 21 de abr. 2022. Podcast. Acesse aqui.


Imagem de destaque: Fotografia do autor.

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