A poética da diversidade

 Patrícia Gonçalves Nery

A literatura infantojuvenil tem, no currículo do curso de Pedagogia da FaE/UEMG, um espaço próprio de discussão, que ocorre no último período do curso. Os encontros entre docentes e discentes são constituídos por diálogos reflexivos que se apoiam na trajetória formativa dos(as) alunos(as). É certo, porém, que, ao iniciar os estudos da literatura, muitos questionam: “[…] não deveríamos ter assistido a essas aulas nos primeiros períodos? Não teríamos com isso mais elementos para realizar boas escolhas em nossas práticas de estágio?”

Em uma das atividades desenvolvidas na disciplina, durante o ano de 2019, propusemos abordar a educação das relações étnico-raciais na literatura infantojuvenil. É urgente que a diversidade étnico-racial esteja presente nas mais diversas narrativas que circulam na escola, não apenas nas histórias literárias, mas também nas imagens, nas falas, nos gestos de cada um e de todos que participam do cotidiano escolar. Trata-se da poética da diversidade, pois poesia, enquanto arte, é também política. Segundo Fort (2016, p. 9), “[…] a formação crítica das crianças tem que ser uma formação poética para as fortalezas íntimas e para a fortaleza da consciência e da vida social”.

Na educação das relações étnico-raciais, a narrativa literária é um lugar indispensável para o enfrentamento dos “[…] processos ideológicos de construção das categorias de raça e cor que sustentam a prática do racismo” (GOMES, AMÂNCIO, JORGE, 2008, p. 35). A literatura, como prática educativa, cultural e política, é capaz de, por meio da arte, ensejar “[…] novas performances de igualdade de direitos, liberdade de interação de saberes e respeito às diferenças (Id.).

Os encontros relativos à temática foram desenvolvidos de forma integrada com a disciplina de História e Geografia. Os estudos teóricos envolveram a leitura reflexiva do artigo “Personagens Negros: um breve perfil na literatura infantojuvenil, de Heloísa Pires Lima, e a discussão do conteúdo da palestra “O perigo de uma história única” ministrada pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie. A parte prática envolveu duas etapas: a exploração de várias obras literárias e a análise da obra “Capulana: um pano estampado de histórias”, publicada em 2014 por Heloísa Lima e Mário Lemos.

Sobre essa última atividade, o desafio foi buscar compreender que imaginários são tecidos pelas palavras e pelas imagens da narrativa. Trata-se de um exercício para despertar a sensibilidade dos sentidos. Assim, pusemo-nos a analisar: como a imagem toca o leitor, sensibilizando-o? Há diversidade de traços, de formas? Há jogo de cores? Que efeitos de sentido esses elementos produzem? Que sensações as imagens, ao interagir com o texto e vice-versa, despertam?

Para analisar o texto, consideramos: o lugar que o negro ocupa na narrativa; a função e o papel social que desenvolve; a disposição da fala; as relações entre personagens negros e não negros; os espaços sociais e culturais retratados.

Dessas experiências, surgiram análises, feitas pelos discentes, que os excertos a seguir exemplificam:

“Logo na capa, é possível identificar traços da cultura africana por meio das cores ‘quentes’ e os traços dos desenhos, que diríamos ser mandalas em alto relevo, possibilitam sentimentos […]”.

“Pelos movimentos dos corpos, é possível perceber o gingado das danças africanas, a utilização de objetos que caracterizam a própria cultura, tais como o uso do turbante […]”.

“Quanto à narrativa, observamos que as escritas textuais não seguem padrões lineares e sim simbologias dos temas abordados, como, por exemplo, o texto: ‘capulanas ao vento espalham cores pelas savanas’, que é escrito como se as palavras estivessem sendo balançadas de acordo com o vento […]”.

“Percebe-se uma valorização cultural do lugar, hábitos, costumes de modo positivo, algo que ajuda […] a desconstruir o estereótipo de uma história única: que o povo africano é triste, pobre e miserável em todos os sentidos, o que, por conseguinte, configura um pensamento racista e estereotipado passível de ser revisto e combatido […]”.

Acreditamos que essa abordagem do tema das relações étnico-raciais na literatura, como poética e como política, tenha contribuído sobremaneira para a formação do(a) professor(a) leitor(a), movendo-o(a) para além das margens, bem mais adiante.

Referências

FORT, Vanessa. A inspiração: as poéticas da infância e os temas urgentes. Produção audiovisual infantil de qualidade: da inspiração à realização Curso virtual de TV. 2. ed. São Paulo, SP, 2016.

GOMES, Nilma Lino; AMÂNCIO, Íris Maria da Costa; JORGE, Miriam Lúcia dos Santos. Literaturas africanas e afro-brasileira na prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

LIMA, Heloísa Pires; LEMOS, Mário.  Capulana: um pano estampado de histórias. São Paulo: Scipione, 2014.


Imagem de destaque: anaterate / pixabay http://otc-certified-store.com https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/online-payday-loans-cash-advances.php https://zp-pdl.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *