A pobreza é invisível?

Shellen de Lima Matiazzi*

“Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem”

Chico Buarque, 1984

Recentemente, recordei-me da música de Chico Buarque, Brejo da Cruz, composta em 1984, que evidencia o quanto crianças, jovens, mulheres, homens, idosos empobrecidos são invisibilizados em nossa sociedade. Sensibilizada com a música, busco analisar a temática da “Invisibilidade da pobreza”, refletindo como esse fenômeno, presente no curso histórico da humanidade e das sociedades, permanece pouco discutida, pouco problematizada.

Atento para a compreensão do que seja a pobreza, um fenômeno histórico e social, produzido historicamente, resultado de decisões políticas que impactam diretamente as formas de vida da população.

O entendimento sobre a pobreza está, portanto, para além do aspecto da renda, se constitui na violação de direitos, como o não acesso – ou de forma insuficiente – a serviços básicos, a negação de condições dignas de moradia, de participação política e social e a privação na alimentação.

Reflexo de uma sociedade marcada por um sistema econômico capitalista, cujo objetivo é a acumulação de bens por uma minoria e a expropriação e miséria de grande parte da população, a pobreza acontece como parte estrutural para a manutenção deste sistema, haja vista a forma desigual e injusta de distribuição da renda entre as classes sociais.

Ao admitirmos a existência desse fenômeno e, consequentemente, das desigualdades sociais, compreendemos que a pobreza acontece nos limites do (sobre)viver, está nos diferentes espaços: nas ruas, nas praças, debaixo das pontes, nas periferias das cidades. Todavia, por mais que, diariamente, nos deparamos com essas imagens, a pobreza é naturalizada e, muitas vezes, os sujeitos são culpabilizados por sua condição social e, ainda, a pobreza não é problematizada nos noticiários, nas redes sociais, nos jornais.

Quem são esses seres, anunciados por Chico Buarque na canção? É preciso ressaltar e em letras garrafais que A POBREZA É UMA REALIDADE NA VIDA DE MILHÕES DE BRASILEIROS, que cotidianamente lutam para (sobre)viver, muitas vezes, sem condições adequadas de moradia, acesso à água tratada, saneamento básico ou o mínimo para fazer a refeição diária, vivendo em situação de fome e extrema miséria.

Mas por que a pobreza é invisível? Retomemos a compreensão inicial. Ela é resultado de decisões políticas, assim, as políticas econômicas e sociais impetradas por governos, de acordo com seus interesses. Recordemos dos governos progressistas que engendraram políticas com a finalidade de minimizar as desigualdades sociais, de enfrentamento à pobreza e que levaram o Brasil a sair do mapa da fome.

Contudo, na atual condição político-social que vivemos, a pobreza vem se agravando, reflexo da recessão político-econômica vivenciada no atual governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que desconsidera a pandemia, os problemas sociais e afeta a seguridade social, expropriando direitos sociais da população – antes garantidos constitucionalmente – resultando em mais desemprego, mais desigualdade e mais pobreza. São decisões políticas e econômicas como estas que colocam à margem os mais empobrecidos.

Chico Buarque alerta-nos, poeticamente, sobre a realidade da pobreza no país e nos impele a ver para além, superando visões estereotipadas e nos convoca a direcionar olhares para essa condição social, problematizando-a como resultado de ações governamentais e não como responsabilidade dos sujeitos.

* Mestre em Educação, membro do Grupo de Estudos em Educação, Pobreza e Desigualdade Social GEEPDS/Ufes.


Imagem de destaque: Favela em Porto Alegre. Foto: Tetraktys

 

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