Tudo o que vivemos nos dias de hoje são consequências das decisões que tomamos no passado. A frase é clichê, mas se aplica quando fazemos uma análise científica, social e histórica de um país. Ao estudarmos a história do Brasil, por exemplo, vários fenômenos ficam claros: a história econômica do país é marcada pela desigualdade social; a história política do país é marcada pelo colonialismo e pelo domínio das oligarquias; e a história social do país é marcada pela segregação racial, eugenia e misoginia. Estes três eixos, econômico, político e social, tem relação entre si, pois por muito tempo foi negado (em alguns casos ainda é, mesmo na contemporaneidade) o direito ao voto, a participação econômica e política, a emancipação social, a terra e a educação para os pobres, para as mulheres e para a população negra. Tudo isso faz parte da estrutura fundante do Brasil.
Quem é o “culpado” pela situação atual da estrutura social do Brasil? Há muitos. Mas, talvez, o maior deles seja a educação brasileira, que perpetuou e manteve essa estrutura. No passado, somente a população rica e branca tinha acesso à educação como ciência e produção de conhecimento, enquanto a educação dada aos pobres e à população periférica possuía o intuito de civilizar. Era comum a reprodução de um discurso que advogava pela meritocracia. Não interessou, até o final da Ditadura Militar, uma educação libertadora, crítica e emancipadora. (Para citar um exemplo, foi só a partir da década de 1990, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que houve uma preocupação com a infância. E só foi a partir dos anos 2000 que se falou em Educação de Jovens e Adultos).
Precisamos de uma educação antirracista. E vou explicar os motivos pelos quais acredito que ela é a saída para uma completa reestruturação social, de cunho libertário e, ao mesmo tempo, igualitária. À população negra, lhes foram negados por muito tempo o direito à propriedade, à educação, saúde e a ser cidadão. Quando aconteceu a Abolição da Escravatura, no dia 14 de maio 1888, discutiu-se mais sobre uma indenização aos senhores de escravos do que políticas públicas para a população negra recém livre. Como o coletivo negro do MTST afirma, “a dita abolição não resultou em reconhecimento da liberdade e da dignidade humana para quem foi humilhado, explorado e desumanizado por mais de 300 anos”. (Vale lembrar que o movimento negro surgiu ainda na época escravocrata de maneira clandestina e precária, como forma de resistência as diversas violências sofridas por essa parte dessa população. O movimento foi fortalecido por meio de diversas conquistas creditadas a essa comunidade, mas os reflexos deste período são vivenciados ainda hoje de forma velada).
A questão é que a história é contada e controlada pelos vencedores. O que estamos vivendo no Brasil é consequência da vitória dos senhores de escravos brancos sobre os escravizados negros. É difícil e custoso pensarmos que o Brasil só existe do jeito que existe porque, em sua construção da história, os vencedores defendiam valores racistas e eugenistas. Observamos que as pessoas fazem constantemente o exercício mental de pensar como seria o mundo se a Segunda Guerra Mundial fosse vencida por Adolf Hitler e os nazistas. Obviamente, seria terrível. Mas, se pararmos para pensar, nada difere (senão o tempo) o Brasil escravagista da Alemanha Nazista. Por que não refletimos sobre como seria a história do mundo sem a escravização massiva de negros africanos? O racismo nasce com a escravização. Se milhões de africanos jamais tivessem sido tirados de forma violenta e forçada de suas terras nativas, hoje o mundo seria muito diferente.
Hoje vivemos uma relativização e um movimento pela revisão da história. Primeiro, procura-se deslegitimar o sofrimento dos negros durante a escravidão. É até popular em alguns círculos racistas o discurso de que a escravização foi benéfica para os escravizados. Argumenta-se que antes, quando estes viviam no continente Africano, estavam em sociedades primárias/tribais e, com o contato com o Ocidente, passaram a viver em sociedades complexas e industriais. Depois, procura-se descredibilizar a luta por igualdade racial. Lançam boatos sobre a integridade de heróis negros e abolicionistas. Zumbi dos Palmares, por exemplo, é acusado constantemente (sem nenhuma prova ou evidência) de possuir escravos. Tal afirmativa leva a crer que “se até Zumbi teve escravos, esta situação era normal e aceitável na época”. Portanto, segundo estes, a escravidão foi inquestionavelmente legítima.
A constituição de 1988 é o marco para um início de uma mudança da educação, e o reconhecimento da pessoa negra, a visão da criança, do adolescente como sujeitos na sociedade. Porém, ela não é suficiente e ainda estamos inseridos dentro de uma realidade excludente, pois para as crianças negras a escola ainda é algo distante (e por mais que elas tenham escola, o ensino para todos ainda é tradicionalista e vertical). A autora Suzana Albornoz diz em seu livro “O que é trabalho?” que a criança negra vai ser destinada ao trabalho manual, enquanto a criança branca é destinada ao trabalho intelectual. Tal paradigma resgata a ideia de chefe e funcionário, colocando sempre o homem branco numa posição acima do negro. Paralela a esta situação, existe um silêncio da sociedade sobre esta realidade.
É contra esse silêncio que precisamos lutar. A sociedade brasileira ainda vive sobre o mito de que o Brasil é uma democracia racial. Para a construção de uma sociedade verdadeiramente igual e livre, no Brasil, é preciso levantar esta discussão. É necessário mudar a educação. Por esta razão, e devido a todos os pontos apresentados, concluo que existe uma necessidade de uma educação antirracista no Brasil. Tal educação não combaterá somente o racismo, mas sim toda a estrutura social desigual que predomina o nosso país. Uma educação antirracista, apesar de ser direcionada a desestruturar o racismo, ainda é uma educação ampla e democrática, pois se destruirmos o racismo, também destruiremos outras ideias que se posicionam contra a diversidade.
Construindo uma sociedade verdadeiramente democrática, superaremos o status quo. O debate sobre os problemas sociais do Brasil não é somente de ordem econômica, mas também sobre raça.
Imagem de destaque: Alunos do EJA montam exposição sobre história das nove regiões de BH. Foto: Gerson NE, Prefeitura de Belo Horizonte – Flickr