A inserção das mulheres no magistério capixaba: profissionalização e feminização da docência.

Elda Alvarenga1

Almeida (2004), Louro (2001) e outros/as autores/as, que investigam a inserção das mulheres no magistério e o processo de feminização do trabalho docente, nos estimulam a aprofundar análises de questões ainda pouco tratadas referentes a esse fenômeno. Dialogando com essas e com outras pesquisas sobre o tema, interrogamos: quando e como aconteceu a inserção das mulheres no magistério capixaba? Que fatores contribuíram para a configuração da presença das mulheres no magistério local? Como a escola e o Curso Normal contribuíram para o ingresso das mulheres no magistério primário capixaba e para a sua feminização?

A pesquisa caracteriza-se como uma prática historiográfica, com base no método indiciário, tendo como principal referência os estudos de Carlo Ginzburg (2006, 2007). Situa-se, portanto, no campo da História da Educação, mais especificamente na História da Educação no Estado do Espírito Santo. Durante toda a operação historiográfica, buscamos identificar, nos rastros e nos fios, as pistas que poderiam nos abrir uma janela para a compreensão do tempo e do objeto investigado.

Diante da costumeira invisibilidade conferida às mulheres no período em tela, rastros, indícios e sinais é o que temos em relação às primeiras professoras capixabas. Elegemos, como principal referência, os estudos de Carlo Ginzburg, por considerar que o tipo de pesquisa por ele desenvolvida possibilita a aproximação com o objeto de estudo.

As fontes nos indicam que existe estreita relação entre os pressupostos do gênero, a constituição do trabalho docente feminino e a história das mulheres. Vimos, também, que foi o acesso das meninas às escolas que impulsionou a inserção de mulheres no magistério primário no Espírito Santo no período investigado. Essa inserção esteve relacionada com os pressupostos religiosos da época que não aceitavam que as meninas tivessem professores homens. 

Nota-se que as alterações operadas nas perspectivas de construção de um projeto nacional, no conjunto de mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais ocorridas no Brasil, na virada do século XIX para o século XX, dentre elas, a instituição da República, modularam o acesso feminino à escolarização, de acordo com o ideário de cidadania a ser exercida pelas mulheres. 

As fontes indicam que, como ocorreu em outras regiões do país, a Escola Normal capixaba teve uma história de inúmeras reformas e interrupções em seu funcionamento, o que não a impediu de exercer um papel relevante na constituição da carreira docente dos/as professores/as primários/as. Observamos também que a Escola Normal contribuiu para a feminização do magistério em terras capixabas. A análise das fontes relacionadas com as matrículas dos cursos normais da Capital do Espírito Santo (1874 a 1920) aponta o crescimento do número de mulheres matriculadas ao mesmo tempo em que decrescia o interesse masculino pelo curso e, em 1920, já era possível perceber a feminização do magistério e do Curso Normal. 

O percurso das professoras primárias pioneiras no Estado do Espírito Santo foi marcado pela precariedade nas estruturas das escolas e pelos baixos salários, condições que os professores homens também vivenciavam antes e depois do ingresso das mulheres. As fontes indicam também uma grande rotatividade das novas profissionais do magistério entre as escolas, em sua maioria bastante distantes uma das outras. 

Do acesso das primeiras meninas à escola e das primeiras professoras no magistério público primário, até os dias atuais, muitas foram as metamorfoses vivenciadas pelos professores e professoras que, como sujeitos históricos, diante de uma sociedade em transformação, souberam aproveitar as brechas do sistema, ocuparam uma profissão e fizeram dela o caminho para galgar outros caminhos até então impensáveis. Efetuaram uma dupla tarefa: educar as novas gerações de meninas, ao mesmo tempo em que forjavam a constituição de uma profissão, no mesmo processo em que também eram formadas pela docência no magistério primário. Não deixem de acompanhar o Bicentenário no Espírito Santos e outras histórias da educação.

 

O texto é uma síntese da tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo. A tese completa pode ser acessada no link .

 

Para saber mais: 

ALMEIDA, Jane Soares. Mulheres na educação: missão, vocação ou destino? A feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. p. 59-107. (Coleção Educação Contemporânea).

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2007. 

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução de Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

 

1Professora substituta do Instituto Federal do Espírito Santo/Campus Cachoeiro de Itapemirim. Membro do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação (Nucaphe). Coordenação do Núcleo interinstitucional de pesquisa em gênero e sexualidade (Nupeges).


Fonte: Acervo de fotos do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

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