A EJA e a Universidade: antípodas em (des)encontros?

Vinícius Costa1

O estudo da Educação de Jovens e Adultos, em ambiente de uma educação federal dedicada majoritariamente ao ensino superior, é algo ainda incipiente no Brasil. A entrada da EJA nas universidades se deu, historicamente, pela Extensão, componente menos prestigiado da consagrada tríade Ensino, Pesquisa e Extensão, nas universidades. Tanto no Brasil quanto no restante do mundo a interação entre EJA e Universidade se deu por este viés de abertura das universidades à comunidade pelos programas de extensão universitária.

No Brasil, o trabalho de Paulo Freire foi pioneiro no relacionamento entre Universidade e Educação de Jovens e Adultos, quando o professor pernambucano liderou a equipe do Serviço de Extensão Cultural da então Universidade do Recife (atual Universidade Federal de Pernambuco), no final da década de 1950. A partir daí, a EJA, nas universidades, disseminou-se pelo Brasil, ganhando núcleos de pesquisa e extensão, na segunda metade do século XX, na UFES, na UFSCAR, na UFPB, na UnB, na UFRGS e na UFMG, entre outras universidades brasileiras. Todavia, a EJA e a Universidade, bem como sua, por seguinte, relação com a comunidade, sempre se constituíram em um espaço de tensão ou como antípodas educacionais sugeridas no título deste artigo.

Especificamente no caso mineiro da UFMG, projeto que me formou como educador, a vinculação entre EJA e universidade se deu quando em 1985, a Associação dos Servidores da UFMG reivindicou, junto à reitoria, a oferta de curso de ensino fundamental para os trabalhadores.  Já uma década mais tarde, após discussões sobre a forma de seleção dos alunos e das práticas pedagógicas que seriam trabalhadas com os educandos da EJA, formou-se, assim, uma identidade do projeto que, em 1996,  passou a se denominar Projeto de Ensino Fundamental – segundo segmento e, juntamente com o Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos – primeiro segmento e o Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos (PEMJA), projetos formadores do Programa de Educação Básica de Jovens e Adultos da UFMG (PROEJA). A partir daí, a preocupação do programa se deu em formar os professores, estudantes graduandos da Universidade, para melhor efetivação da prática da EJA na Universidade, preocupação existente até hoje na EJA da UFMG.

Analisar o impacto social da presença dos sujeitos da EJA dentro das Universidades brasileiras é uma questão que ainda possui poucos estudos acadêmicos, o que forma uma lacuna sobre a temática.

A compreensão histórica da formação da EJA nas Universidades pode auxiliar a compreender o do atual cenário educacional do século XXI e traçar políticas públicas de combate aos desmontes vistos na área educacional que prejudicam diretamente os sujeitos da EJA.  Em 2019, por exemplo, a exclusão da secretária de EJA do Ministério da Educação e as dificuldades para garantir políticas públicas para os sujeitos da EJA no contexto da pandemia reforçaram o cenário de exclusão social da EJA, o que fortalece a percepção da necessidade de que a universidade coloque os sujeitos da EJA para dentro de seus campos.

O resgate da memória do dos estudantes da EJA nas universidades se apresenta como uma forma de resistência a visões de mundo que deslegitimam o papel das universidades e da Educação de Jovens e Adultos, duas antípodas nos processos educacionais quando se pensa, no senso comum, o início e o ápice do processo de educação, mas que se encontram, paradoxalmente, peça tentativa de deslegitimação educacional no atual cenário político brasileiro. Não é à toa que os ministros educacionais do governo Bolsonaro, hora veem a universidade como desnecessária ou como espaço de balbúrdia. É nesse novo papel de desvalorização em que a educação brasileira é colocada que as antípodas EJA e universidades se encontram como pares atuais de exclusão.

A necessidade do estudo sobre a EJA em âmbito universitário é algo urgente a ser estimulado nas pesquisas acadêmicas. Tais pesquisas fariam que os estudos no tema se casem com as práticas de extensão universitária. A balança pesquisa – extensão nas universidades, incluindo com prioridade a temática da EJA, é necessária para a garantia da cidadania dos projetos que existem nos vários campos universitários brasileiros que ofertam educação de jovens e adultos e que tem sido desprezado na última década como com o fechamento do PEMJA, do Coltec na UFMG, em 2018.  Fechamentos de projetos de EJA dentro das Universidades precisam parar de acontecer. Essa é mais uma luta que precisamos defender no campo educacional que nos encontramos.

 

1Historiador e Mestre em Educação formado pela UFMG. Professor de Filosofia e Sociologia do Colégio Bernoulli em BH.

 

Para saber mais: 

Extinção do SECADI

Dificuldades do EAD no Ensino na EJA. 


Imagem de destaque: Foca Lisboa / UFMG

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *