Pensar o Ensino de Ciências: a escola das águas e das florestas em Parintins/AM

Silvia Pantoja de Souza¹
Lucinete Gadelha da Costa²

As escolas das águas e das florestas são instituições pertencente à Amazônia, também, conhecidas como escolas Ribeirinhas ou escolas do Campo por estarem assentadas em territórios ribeirinhos. O âmbito educacional destacado neste texto é a Escola Municipal Nossa Senhora Aparecida, situada às margens direita do rio Amazonas, na região Miriti, em Parintins, no Amazonas. Com um aspecto de terra firme, por não sofrer com os grandes impactos da enchente, essa instituição possui uma diversidade histórica, cultural e natural.

A constituição desse espaço ocorreu em consonância com o surgimento da comunidade, também denominada, Nossa Senhora Aparecida, em um caminho de luta pela terra e em defesa dos costumes locais, um grupo de pessoas oriundos de Santarém/PA e das margens do rio Amazonas seguiram se construindo em um movimento de idas e vindas ao entorno do lago do Miriti, onde buscaram constituir a igreja e a escola. Esses ribeirinhos passaram anos na luta por um pedaço de terra para a sua organização social. Assim, na dinâmica da natureza vieram construindo um ensino que fortalecesse as suas práticas cotidianas. 

Esse ensino surgiu em um aspecto popular, ou seja, foi constituído a partir dos homens e mulheres do Campo, tendo como ponto de partida uma aprendizagem vinculada às suas necessidades. Os primeiros docentes foram pessoas da própria localidade, chamados de professores leigos. Nesse percurso, se organizaram de forma sociocultural considerando as possibilidades do meio que escolheram para viver e cuidar. A escola evidenciada surgiu nos anos 1950 em um percurso de três locais diferenciados, a iniciar por um lugar chamado fomento, no qual funcionava um projeto de criação de animais. Em seguida foi assentada em uma fazenda, chamada Paraíso, na sequência mudando-se para o local, onde se encontra atualmente. 

Em 1982, recebeu melhorias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, a partir do Plano de desenvolvimento Rural Integrado, PDRI. Sendo inaugurada em 1985, como escola Multisseriada, na qual os estudantes das diferentes séries inicias eram atendidos ao mesmo tempo. Na década de 1990, essa instituição passou a ser legalmente da rede municipal de Parintins através do decreto 50/99-PGPMP de 01.03.1999.

Devido ao seu processo histórico, a construção curricular dessa escola veio se constituindo a partir da metodologia de projetos socioculturais, com ênfase no Meio Ambiente, questão intrínseca às pessoas dessa localidade pela sua constante relação com a natureza. Dessa articulação nasceu o Projeto Pé-de-Pincha, devido ao problema da fome. Com isso, emergiram outros projetos evolvendo a arborização das margens do lago do Miriti, as plantas medicinais, feira de Ciências e outros que expressam a cultura local. 

No decorrer dessa construção curricular há também, os momentos de tensões entre a escola e a comunidade. Considerando que essas instituições fazem parte de um sistema educacional, as vezes ocorrem caminhadas em sentidos diferentes, ou seja, a escola apresenta perspectivas educativas que nem sempre dialogam com os costumes do local. Um fator que contribui com essa realidade são as concepções de Currículo reduzida aos conhecimentos das disciplinas. Isso tem implicado em um percurso educacional permeado por contradições, estas tensões levam à necessidade de refletir sobre a organização da prática docentes considerando a territorialidade dos sujeitos que lá moram.   

Essa ideia de Currículo fechado ao conhecimento escolar, é devido a organização estrutural do ensino desde a Revolução Industrial. Contexto que também, deu origem ao Ensino de Ciências e o reduziu às práticas laboratoriais. Por outro lado, pela sua influência na formação social e pelo seu aspecto de campo de disputas, o Currículo pode contribuir com a construção de uma visão crítica e o Ensino de Ciências é o meio que possibilita a articulação de diferentes saberes para a leitura de meio natural e social. Essa concepção convalida as perspectivas dos povos que vivem entre as águas e as florestas, devido a sua cultura vinculada à natureza e a prática de movimentos sociais populares, os quais defendem um ensino voltado para a classe trabalhadora. 

Dessa forma, mesmo em um percurso de constantes tensões a construção curricular da escola em destaque, resiste às que não condizem com a sua peculiaridade cultural e por meio do Ensino de Ciências buscam a prática de metodologia com enfoque nas questões ambientais. Assim, os sujeitos afirmam seu protagonismo como homens e mulheres das águas e das florestas pertencentes ao bioma natural da Amazônia, onde juntos com a escola produzem suas vidas.

 

Sobre as autoras
1 – Mestranda em Educação e Ciências na Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas. E-mail silaviapantoja361@gmail.com 

2 – Professora na Escola Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas. Doutora em Educação. Grupo de Estudo e pesquisa em Formação de professores para a Educação em Ciências na Amazônia (GEPEC-UEA). E-mail: lcosta@uea.edu.br 

Para saber mais
SOUZA, Lucas Patrick, 2020.


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