Pensar a educação: sempre uma pauta nacional

Marilândes de Melo*

 

Desde os anos 1930 a educação passou a figurar de modo mais intenso como pauta no Brasil. Ideias importantes sobre este tema podem ser encontradas em documentos históricos importantes, como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e o Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez Convocados (1959). A questão educacional, tão cara e relevante na primeira metade do século XX, permanece como um dos “pontos de estrangulamento” mais significativos no sentido de construir um país autônomo e com respeitabilidade.

Como defendiam os autores dos projetos da primeira metade do século XX, a educação está na hierarquia das questões nacionais. Sobre ela pesa a responsabilidade de (re)construção nacional, seja pela força cultural, seja desenvolvendo aptidões, inventividade e iniciativa que dela emanam. A tessitura social se complexificou e junto com ela a educação ganhou uma configuração arlequinal. Quem não ouviu falar sobre Arlequim? Um ser que se apresenta com rosto escondido por uma máscara, impedindo que sua verdadeira face se revele e com um traje composto por retalhos multicoloridos, referenciando uma população multifacetada. Tal personagem foi usado pelo poeta Mário de Andrade, no livro Pauliceia Desvairada (1922), para descrever o povo brasileiro da primeira metade do século XX.

Nossa educação, sempre em pauta, está vestida de Arlequim? Em nome da educação, uma máscara sorridente pretende revelar o Brasil de maneira mais contundente. Mas o que está por trás da máscara? A educação continua sendo só mais um espaço no qual o poder pertence ao estrategista que configura, controla, doutrina uma população ainda arlequinal?

Torna-se evidente, ainda, a necessária potencialização de políticas públicas, ainda que sob a égide de grandes tensões e confrontos políticos e ideológicos. Se a pauta sobre a educação se expressou notadamente a partir de um acirrado debate intelectual iniciado nos anos 1930 – no qual projetos educacionais e sociais estavam em disputa – ainda hoje, o debate público precisa ser o elemento desencadeador da ideia de uma educação brasileira que realmente revele sua face. Nesta face, está o caráter de ainda acreditar na transformação do Brasil pela via educacional, não como salvadora, mas como fomentadora de uma a formação crítica, criativa, dialógica, formadora de mentalidades que possam convergir no campo dos debates. Não no campo de um pseudo-debate, comandado por leis quase sobrenaturais, capazes de, como num passe de mágica, mudar a condição histórica, social e política do país, pautada em um sistema que ainda perpetua privilégios e não direitos.

Os argumentos propostos e defendidos no começo do século XX convergiam para a necessidade de organização, pela União, de um plano geral de educação, definidor de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, confrontando com outras posições que expressavam caráter particular. O Arlequim continua a sustentar sua máscara de um passado colonial que nos constituiu em um povo “sem lastro de tradição ou cultura”. Enquanto a máscara permanecer no rosto de Arlequim ela continuará a ser pauta, pois a disputas de toda ordem não o deixaram de ser. A ordem atual é conservadora e negadora de tudo o que é diverso, quer silenciar e negociar em favor de partidarismos arbitrários e autoritários.

Na educação em pauta não cabe a fomentação de políticas públicas, mas sobre ela pesam as resoluções das questões nacionais, seja por sua presença ou por sua ausência. O debate “aposta na educação”, mas não investe em educação. Como alargar suas fronteiras e transcender os discursos do Estado Arlequinal que ainda faz reproduzir o tradicionalismo pedagógico nas maneiras de avaliar e que geram índices alarmantes? Como pensar em uma “soberania nacional” sem levar em conta as condições da educação e da formação do povo? Até quando a pauta educacional será constituída por herdeiros não só econômicos, mas culturais? Herdeiros estes que consolidam as desigualdades culturais predominantes nos processos de escolarização efetuados em uma escola legitimada pela meritocracia, e nem se dá ao trabalho de esconder-se atrás da máscara?

A educação precisa constar como o caminho mais justo possível e eficiente no que diz respeito a distribuir os lugares desiguais em sociedades democráticas. Lugar de afirmar as oportunidades e as esperanças. Então, usemos este tema para instalar paradoxos, trair as raízes, ou estranhar o familiar e comum. É no “rasgar” as origens, que o passado pode ser reinventado, ainda que nele permaneçam os vestígios daquilo que se foi.


*MarilândesMól Ribeiro de Melo é professora no Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari

E-mail: marilandes.melo@ifc.edu.br

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