Pensar a educação em ciências no contexto das catástrofes – Elisa Sampaio de Faria e Francisco Ângelo Coutinho

Pensar a educação em ciências no contexto das catástrofes

Elisa Sampaio de Faria

Francisco Ângelo Coutinho

Segundo o sociólogo alemão Ulrich Beck, vivemos em uma “sociedade de risco”, na qual já não é mais possível o distanciamento do perigo. Há indicações de que os sistemas naturais do planeta, dentro de pouco tempo, não serão mais capazes de suportar as necessidades humanas básicas. Para se ter uma ideia, a humanidade já se apropriou de mais da metade da água doce acessível. Existem indícios de que até 2030 cerca de 75% das espécies animais e vegetais estarão ameaçadas de extinção, alterando irreversivelmente a biodiversidade do planeta.

Para além de uma longa lista de riscos pelos quais passamos, podemos acrescentar as incertezas produzidas pela ciência e pela tecnologia. Ao contrário do que se pensa, os desenvolvimentos científico e tecnológico não trouxeram maior segurança e, ainda segundo Beck, a ciência deve ser pensada como coautora da produção de incerteza generalizada. Por exemplo, a gestão de resíduos nucleares, o efeito de micro-ondas sobre nossa saúde, as consequências da disseminação de transgênicos na natureza, e muitos outros que podem ser identificados como potencialmente perigosos.

Sheila Jasanoff alerta que a crescente conexão da ciência e tecnologia com o modo de vida contemporâneo requer um olhar crítico sobre as relações da ciência e tecnologia nas sociedades democráticas. Em países ocidentais do continente europeu, Jasanoff notou que as avaliações de especialistas são reconhecidas como autoridades legítimas por muitos dos políticos e instituições públicas. Porém, observamos no Brasil que instituições governamentais responsáveis por deliberar sobre projetos técnico-científicos tomam suas decisões motivadas por questões políticas e econômicas, desconsiderando avaliações de especialistas. Essa negligência potencializa os perigos envolvidos em projetos técnico-científicos no Brasil, já que muitos desses estudos têm a finalidade de proteger nossa segurança socioambiental e nossa biodiversidade.

A arrebentação da barragem da Samarco confirma essa observação. Mostra que a submissão dos políticos brasileiros aos interesses privados neocolonialistas leva, sim, à negligência de estudos técnico-científicos. O maior crime socioambiental da história recente do Brasil mostrou que a engenharia, uma ciência altamente sofisticada, não é realizada de forma neutra e que está associada a interesses e a disputas políticas internacionais. Essa catástrofe é um marco que indica que a tradição de se compreender os objetos das ciências naturais como separados do domínio da política está ultrapassada.

Boaventura de Souza Santos conta que o modelo de racionalidade da ciência constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI, desenvolvendo-se nos séculos seguintes no seio das ciências naturais. A racionalidade da ciência concebia como total a separação entre a natureza e o ser humano. Ilya Prigogine e Isabelle Stengers demonstram que isso se deve a que a ciência clássica, ainda em seus primeiros passos, colocou de forma bem-sucedida questões que suscitaram uma natureza morta e passiva. A visão de uma natureza absoluta e separada do ser humano é chamada por Bruno Latour de mononaturalismo.

Prigogine e Stengers demonstraram que os conceitos básicos que fundamentavam a concepção mononaturalista do mundo passaram por uma metamorfose ao encontrar o progresso teórico, marcado pelo aparecimento da mecânica quântica. Os conhecimentos científicos passam a ser considerados obras de seres conectados ao mundo que exploram. E esse mundo é perpassado por laços afetivos, econômicos, políticos. Discutir objetos híbridos, como as barragens, por exemplo, é pensar em ciências, economia, sociedade, afetividade e política. Negar essas conexões, silenciar essas misturas, relegá-las a não existência, somente fará com que se multipliquem sorrateiramente, até que seus efeitos – de gigantescas proporções – nos obriguem a entendê-los como objetos que se conectam com a vida humana de forma integral, sem separações.

E como pensar os objetos da educação científica de forma integrada a vida humana? Para começar, julgamos ser essencial o abandono do tão venerado mononaturalismo pela educação em ciências. O grande desafio para a educação científica será abrir espaço para as manifestações das múltiplas conexões dos objetos técnico-científicos. Localizar os objetos científicos nas tragédias anunciadas pelos jornais, no cinema, no cotidiano, compreendendo-os como personagens de um enredo que atravessa a técnico-ciência, a política, a economia e a afetividade sem separações artificiais. Aceitar essas conexões é uma forma de nos tornarmos conscientes dos perigos com os quais convivemos cotidianamente na “sociedade de risco”. Incluir

narrativas humanas na educação científica pode produzir na escola um espaço para se pensar um mundo futuro onde a vida humana na Terra seja possível.

Elisa Sampaio de Faria – Técnica em Assuntos Educacionais da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

Francisco Ângelo Coutinho – Professor na Faculdade de Educação da UFMG

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