A destruição da cultura e da ecologia no dia a dia da Humanidade.
O patrimônio como objeto educativo de preservação se consolidou com o modelo denominado iluminismo, importante movimento do século XVIII. A arquitetura, os arquivos e a historiografia, enquanto constituição do corpus patrimonial originaram-se a partir da modernidade, sendo gerados no capitalismo. Posteriormente, a destruição econômica do patrimônio cultural e natural revelaria uma despreocupação com a qualidade de vida e com a perspectiva crítica de valores ambientais e sociais. Assim, vivemos tempos turbulentos, que nos fazem questionar, individual ou coletivamente, se a Guerra Fria acabou mesmo.
A violação dos direitos humanos se mostrou absurda, abusiva e dolorosa, neste mês de agosto, quando o Talibã retomou o controle do Afeganistão, deixando a população em pânico, num “fogo cruzado”. Assim como a mesma humanidade que viu a queda do muro de Berlim em Novembro de 1989 e das torres gêmeas em 11 de Setembro de 2001, vê-se novamente diante da ameaça subjetiva que se alastra pelo mundo. Autoritarismo, conservadorismo, extremismo, fundamentalismo, radicalismo, terrorismo e totalitarismo ameaçam e intimidam a cultura, a democracia, a diversidade, os diretos humanos, a ecologia. Os mesmos muçulmanos que empreenderam a destruição de patrimônios mundiais, agora ostentam armas e geram desespero e pânico na vida do povo afegão. Estaríamos cercados pelo “fogo” do final dos tempos como acreditam algumas denominações religiosas? Mas a destruição de patrimônios culturais e naturais, não seria uma estratégia educativa? Não seria uma resposta à educação que tem ensinado a pensar e não a obedecer.
Historicamente, o Crescente Fértil é uma área de relevância para a Humanidade, por se destacar na gradativa sedentarização do homem, através das práticas culturais da agropecuária. Consequentemente, o homem é um ser, que ao se apropriar do espaço para sobreviver, modificou a trajetória das políticas coletivas de preservação do meio ambiente, resultando na maioria das vezes, em inúmeros impactos. Ali se desenvolveram grandes sociedades, nos tempos da Antiguidade, que em sua maioria fazem parte dos Patrimônios declarados pela UNESCO. Território onde água e petróleo, elevam tensões, é um barril de pólvora prestes a explodir. Inclusive, a implosão de relíquias arquitetônicas antigas que ilustravam nossos livros de história, quando passamos pela escolarização.
Entre o lembrar e esquecer, a vida humana passou gradativamente a ser mais valorizada do que a dos demais seres vivos, bem como desvalorizados os demais elementos abióticos do meio natural. Com isso, espaços naturais foram drasticamente reduzidos pela ação antrópica, espécies animais e vegetais foram extintas, rios e mares contaminados. Além de um rompimento e um distanciamento cada vez maior do ser humano em relação ao meio ambiente, evidenciou-se uma conturbada relação entre homem e natureza, afetando a qualidade de vida e a saúde humana. O projeto humano guiado pela razão que, compreendendo e dominando a natureza, permitiria ao ser humano atingir a plenitude e a felicidade, deu certo?
Os obstáculos e/ou fenômenos naturais que impedissem, atrapalhassem ou atrasassem à realização de determinados interesses humanos poderiam ser dominados através da ciência, da técnica e do intelecto. Portanto, o mesmo artifício, que promove a morte humana, através da guerra e da opressão é o mesmo que consolida a mudança do clima no mundo, com profundas alterações, em diferentes recortes do planeta onde se materializam sustos, insultos e surtos. E nestes cenários desoladores, o fogo se faz presente, com chamas que geram chamados. Sobretudo, em questão de incêndios em regiões ecológicas ou atrativos culturais.
O ano de 1999 jamais será esquecido em Mariana, quando a Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Praça Minas Gerais, foi parcialmente destruída pelo fogo. Era dezembro de 2014, quando um casarão colonial foi consumido pelo fogo, na Praça Tiradentes, em Ouro Preto (MG). Foi em dezembro de 2015 que o Museu da Língua Portuguesa (SP) sofreu grandes danos decorrentes de um incêndio. Em janeiro de 2019, o Museu da Quinta da Boa Vista (RJ), ardeu em chamas com perdas significativas. Em junho de 2020, foi a vez do Museu de História Natural da UFMG, em Belo Horizonte, onde também em outubro de 2020, o fogo consumiu grande parte da vegetação nativa do Parque Florestal Ursulina de Andrade Melo.
Entre chamas e chamados, em 2020, o Cerrado, a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e o Pantanal Mato Grossense foram assustadoramente queimados, chocando a todos. Na Grande BH, o Parque Estadual do Rola Moça, reduto de importantes mananciais, também sofre anualmente com as queimadas. Na rota de destruição patrimonial pelo fogo juntou-se a esse protocolo de dilapidação, em Julho de 2021, a Cinemateca. Onde e quando será o próximo patrimônio a ser queimado? Em meio à possibilidade de novas chamas, a educação ecoa por chamados que conduzam à mudanças no modelo societário e que democratize a preservação dos diferentes patrimônios culturais e naturais ameaçados. Mas o maior patrimônio mundial, a democracia, este precisa ser resguardado e legitimado a todos, sem distinções.
Para saber mais:
Locais históricos destruídos pelo Estado Islâmico. Acesse aqui.
Imagem de destaque: Jean Beaufort