As paredes educam. Esta é uma afirmação de Vinão Frago e Escolano, dois historiadores espanhóis, pesquisadores da arquitetura escolar. Teto alto ou baixo, muros, grades, espaços livres, interdições, luz natural ou artificial, cimento ou área verde. As paredes nos situam e nos conformam, guardam, segundo esses autores, uma liturgia acadêmica, o currículo oculto.
Ainda nesta linha, agora no campo da Sociologia da Educação,os franceses Michel e Monique Pinçon exploram a relação social com o espaço e sua interferência nas predisposições e representações futuras. Espaços amplos ou um alojamento exíguo? Essas diferenças na experimentação do espaço cotidiano interferem no controle posterior das atitudes sociais como, por exemplo, tomar a palavra em púbico, ou saber se comportar em uma reunião. Indo além, afirmam que “é toda a vida de bairro que ensina à criança o que ela é”.
Se até as paredes educam, onde mais a educação acontece? Como educação informal, isso se dá em todos os lugares. Somos sempre mestres e aprendizes. Do nascimento até o dia de nossa morte, somos educados e deseducados por tudo que nos cerca. Sons, imagens, afetos, lugares, ausências, severidade, sabores. O grande e o miúdo de nossa existência, na longa duração, tornam-nos sujeitos, conformam-nos e diz quem somos. Quem nos educou? Tudo e todos.
A instituição Escola se encarrega da educação formal assegurada a todos os brasileiros de forma universal, obrigatória e gratuita pelo Estado. Como extensão da família? Não. Primeiro, por não haver uma só família ou uma só moral familiar. Imaginem o que seria a montagem de um currículo em que fosse necessária a concordância de assuntos. Não há uma escola à imagem e semelhança de cada família. A escola não quer e nem busca alcançar esta meta. Os referenciais da instituição escolar não são a educação familiar e nem os seus valores. Não que eles sejam inapropriados ou concorrentes, mas pelo simples fato de que também seria impossível replicá-los ou universalizá-los para o mundo da cidade e na vida cidadã.
Segundo, a escola tem a responsabilidade de assegurar um objetivo que é público. A educação escolar parte de concepções republicanas, científicas e diversas do mundo e lida permanentemente com tais concepções. Viver em sociedade requer competências diferentes daquelas exigidas no convívio da instituição Família ou Igreja.
Os filhos não ficam para sempre no berço, muito menos os estudantes na escola básica. Estar vivo é fazer o movimento de ir e de experimentar: o colo da avó; engatinhar até a outra cama; brincar na casa do vizinho; fazer uma viagem com o amigo; casar; ou ir estudar fora da cidade. Cada vez as distâncias físicas e simbólicas aumentam. Elas são saudáveis e necessárias. Nenhum pai com o mínimo de lucidez irá dizer ao seu filho: não engatinhe, não ande, você vai cair! Claro que irá cair! Enquanto os filhos fazem este movimento externo, internamente elaboram suas dores e resolvem seus dilemas. Ao contrário, protegida para além do razoável, torna-se fragilizada, temerosa e dependente.
O mundo de fato é ambíguo e controverso, com todas as nuances, desde a mais forte luz às mais densas sombras; de gente igual e de gente diferente. Sempre foi assim. Cada tempo tem os seus temores e eles nos impulsionam a seguir em frente.
As paredes educam, a vida em comunidade, a escola e os pais educam.De igual modo, podem deseducar ou atrasar processos. Não há como isolar os fios desta complexa teia da vida. Eles estão entremeados.
O sucesso da educação, seja ela informal ou formal, deveria ser medido à proporção que a presença de tutores não se faça mais necessária. Alcança-se a autonomia. De fato, os filhos precisam ir. Pedem novos desafios e espaços que comportem o alcance do seu voo. Nesse momento podemos admirar o conjunto da obra e nos darmos conta de que coragem e firmeza do caráter, construídas na complexidade da vida, carregam traços das paredes, da comunidade, da família e da escola.