Para que, afinal de contas, serve a História? 

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Para que, afinal de contas, serve a História? Sempre tenho de lidar com esta pergunta. E gosto dela. É objetiva e um tanto difícil de responder. Digo difícil tentando sair das frases prontas que já vêm de imediato à cabeça de um professor de História. E olha que lá se vão dez anos como professor, tendo que responder a essa questão insistente! Aliás, não raro ela vem acompanhada de algumas afirmações como: se já passou não precisamos mais; quero saber do presente (ou do futuro) e não do passado. E toda vez que trato desta oportuna indagação procuro melhorar meus argumentos, minha história, facilitando a compreensão. Espero progredir um pouquinho mais.

No momento em que escrevo este texto, em um notebook Samsung, ouço uma banda pernambucana de Arco Verde chamada Cordel do Fogo Encantado, que por sinal não existe mais, enquanto isso minha filha assiste ao desenho animado Meu Amigãozão, após comermos pipoca e tomarmos uma Coca-Cola já meio sem gás que estava na geladeira. Quanta coisa: Samsung, música, cordel, filha, pipoca, desenho animado, Coca-Cola! Nada disso chegou até mim com um passe de mágica. Decerto fizeram um percurso. Conscientemente escolhi algumas e outras não? Mas preciso lidar com tudo isso. Porque todos esses elementos me afetam, de uma forma ou de outra.

O que isso tem a ver com nossa interrogação? Muito. Tudo aquilo que se apresenta a mim, que me toca, que ouço, que me abraça, que me ignora, que vejo, que escolhi dentro das possibilidades ou julguei necessário ter de fazer, vão me formando e espero, não formatando. Em um mundo de mudanças cada vez mais rápidas como o nosso, essa construção parece não ter fim, numa dinâmica meio louca. Se eu tivesse nascido em outra época, em outro local, cercado de outros elementos, provavelmente eu seria outro, ou outra. Minhas crenças, descrenças, amores e desprazeres seriam diferentes, com certeza. Quero dizer, provavelmente, porque certeza é outro problema. Nossa realidade é marcada por incertezas e isto incomoda muito. A própria História teve de reconhecer que ela não tem as certezas, ou as verdades se preferirem. As “verdades” são provisórias, já disseram.

Porém, até que ainda estamos bem por aqui, em alhures muitos têm incertezas bem mais dolorosas, urgentes, não sabem se conseguirão ir à escola e se voltarem não sabem nem se ainda terão pais, irmãos ou casas. Assim como os homens fazem músicas, filhos, desenhos animados e textos como este, eles também fazem armas, fome, mortes e uma porção de coisas catastróficas que obrigam a gente a pensar na necessidade de mudar o mundo, para melhor. Como mudar? Hummm… quantos não queriam ter a receita, mas ela parece não existir, assim, prontinha. Contudo, tem um campo do saber, a ciência, que pode ajudar. A História pode ajudar, com teorias e procedimentos próprios, em diálogo com outros. Se tiver algumas ideias sobre quem sou, sobre as coisas que me rodeiam, posso ver com mais clareza… o passado é um novelo que precisa ser desenrolado. Puxar esse fio pode não ser uma tarefa tão fácil, tem gente que até se perde nele e termina vivendo um tempo outro, como um D. Quixote ou um fanático. Contudo, se observamos atentamente os processos em diversas dimensões (cultura, economia, política, etc.) podemos experimentar uma empreitada cheia de aventuras, descobertas, ideias, sensações, e mais que isso, podemos conferir poder, o poder de termos algumas boas sugestões sobre o que pode acontecer. Não à toa, as narrativas, as memórias, o espaço, são tão ferozmente disputados. É também uma disputa pela história. Certeza? Não. Possibilidades sim. Sobretudo a possibilidade de andar pelas ruas de uma cidade, por exemplo, e se não entendemos grande parte do que acontece, temos ao menos condições de elaborarmos reflexões, para puxarmos outros fios, tecendo novas redes. Mas se tudo acaba um dia, qual terá sido o valor dessa caminhada? Não poderia ter sido a própria vida, bem vivida, pensada e sentida? Talvez a partir daqui eu precise escrever outro texto.

 

Nota
Texto escrito há sete anos, para ler e discutir em sala de aula com os estudantes do Ensino Fundamental. Entretanto, diante da persistência de dúvidas, passei também a utilizá-lo com turmas de Ensino Médio para as quais não tinha lecionado, especialmente em início de ano letivo. Durante esses anos realizei aprimoramentos pontuais na redação, sem alterar o sentido geral da argumentação.


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