Para defender o direito à educação, há que se garantir a vida!

José Heleno Ferreira

O debate acerca da volta às aulas tem mobilizado estudantes e suas famílias, profissionais docentes e toda a comunidade escolar. Na imprensa, nas redes sociais, veem-se manifestações diversas. De um lado, posicionamentos defendendo que as escolas continuem fechadas para evitar o acirramento da crise sanitária que estamos vivendo no país desde o início do último ano, o aumento do número de pessoas contaminadas pela COVID-19, o colapso dos sistemas de saúde nos estados e municípios. 

De outro, posicionamentos que defendem a urgência de que sejam retomadas as aulas presenciais, uma vez que o ensino remoto não foi capaz de suprir as necessidades educacionais de crianças e adolescentes, notadamente, dos grupos sociais em situação de vulnerabilidade social e sem acesso às tecnologias digitais de comunicação e informação. 

Há também, obviamente, a pressão dos grupos privados que fazem da educação um negócio e se veem diante da redução do número de matrículas. As discussões têm se acirrado e resvalado, perigosamente, para a falácia da oposição entre a defesa do direito à vida e a defesa do direito à educação. 

Para contribuir com este debate é importante lembrar que os direitos humanos são inalienáveis, são direitos de todas as pessoas humanas, não sendo admissível que o sujeito abra mão deles. E são, também, indivisíveis, ou seja, não é possível defender um direito em detrimento de outro.

No seu artigo terceiro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e, no artigo 26, que “Todos os seres humanos têm direito à educação”. Dessa forma, é imprescindível que se defenda o direito à vida e à dignidade humana, bem como o direito à educação, o que não passa, necessariamente, pelo retorno das aulas presenciais.

Há que se reconhecer os problemas que o fechamento das escolas trouxe para a população brasileira, desde os prejuízos pedagógicos até o aumento de situações relacionadas ao trabalho infantil, ao abuso sexual, à violência doméstica e à evasão escolar. Necessário também discutir o aprofundamento das desigualdades sociais e do abismo que separa os grupos privilegiados economicamente das populações periféricas no que diz respeito ao acesso a uma educação de qualidade. Por último, é preciso também reconhecer os limites do ensino remoto quando muitos não têm acesso (ou o têm precariamente) às tecnologias digitais e diante do despreparo dos/as profissionais docentes para lidar com esta nova realidade. 

Por outro lado, é preciso combater os discursos e procedimentos de banalização da vida diante de mais de 200 mil mortes que têm aprofundado a crise econômica, política e sanitária que a sociedade brasileira enfrenta.

É preciso defender a vida e é preciso também defender o direito à educação! E, nesse sentido, é forçoso reconhecer que o retorno das aulas presenciais só será possível em condições de biossegurança. E, para não ficarmos reféns da “força da grana que ergue e destrói coisas belas” (Sampa, Caetano Veloso), é importante lembrar que há um longo caminho a percorrer, passando, prioritariamente, pela garantia de vacinação para toda a população. E até que isso seja possível, é preciso garantir o auxílio emergencial para os grupos que dele necessitam e uma série de outras medidas que possam amenizar a grande desigualdade social que historicamente marca a sociedade brasileira e que se agravou durante a pandemia.

No que diz respeito à educação, também são muitos os desafios a serem enfrentados – sejam aqueles que historicamente já conhecemos, sejam aqueles que se evidenciaram durante a pandemia. Há que se garantir acesso de qualidade às tecnologias digitais de comunicação e informação aos/às profissionais da educação e aos/às estudantes, além de construir processos de formação que garantam aos/às docentes condições para realizar um significativo trabalho pedagógico utilizando estas ferramentas, além de garantir que materiais pedagógicos cheguem a todas as famílias de estudantes da educação básica, o que não aconteceu durante o ano de 2019. 

Por fim, há que se planejar, com cautela – em relação às questões sanitárias – e com profundidade – em relação às questões pedagógicas – a retomada das aulas presenciais. Afinal, a acolhida das crianças e adolescentes nos espaços escolares após um longo período de ausência será fundamental para a reconstrução dos laços que compõem as comunidades escolares – muitas delas, esgarçadas no atual momento – e também para a reconstrução dos processos pedagógicos e o enfrentamento das dificuldades relacionadas aos prejuízos que a interrupção das aulas presenciais trouxe para todos e todas.

Enfim, há que se defender o direito à vida e há que se defender o direito à educação! Num tempo em que impera a necropolítica, melhor cantar com Lenine: “enquanto o tempo acelera e pede pressa”, é preciso ter cuidado, afinal, “a vida é tão rara!”.


Imagem de destaque: Carlos Ramalhete

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