Mulheres, ciência e saúde mental no contexto brasileiro.

Juliana Silva Garcia¹

 Leonardo Lemos de Souza²  

Historicamente, as mulheres têm ficado à margem ou são apagadas da história como protagonistas do desenvolvimento da ciência. Os movimentos feministas conquistaram muito espaço para as mulheres na ciência, mesmo diante da conjuntura machista e excludente. Com a situação pandêmica no Brasil, o processo de exclusão e invisibilidade das mulheres na ciência tem sido mais evidente, com agravos indicados pelas condições de trabalho acadêmico e a relação com a saúde mental das pesquisadoras em formação. 

A presença de mulheres nas instituições brasileiras de educação formal, a divisão sexual do trabalho e a sua manutenção por meio de discursos sexistas, assim como as relações entre violências de gênero e saúde/sofrimento mental precisam ser abordados desde uma perspectiva histórica e feminista.

O acesso massivo de meninas e mulheres aos estabelecimentos de ensino, em todos os níveis, é um fenômeno relativamente recente no Brasil, sendo que a incursão nas universidades, tanto na graduação quanto na pós-graduação stricto sensu, data das décadas de 1980 e 1990. Fatos decorrentes do fortalecimento de movimentos sociais de base popular, sobretudo do feminismo. Jacqueline Leta (2003) aponta que a possibilidade de uma quantidade expressiva de mulheres produzirem ciência e obterem títulos de mestrado e doutorado se deve também às políticas de financiamento estatal de pesquisas, via agências de fomento (Capes e CNPq), considerando as modificações ocorridas nas mesmas, na época em questão. 

No início dos anos 2000, subvertendo estatísticas desfavoráveis, as mulheres se tornaram maioria nas universidades brasileiras. Apesar da importância dos números atingidos, quase duas décadas depois, ainda estamos distantes de uma efetiva equidade de gênero. Além da concentração feminina em determinadas áreas do conhecimento, as mulheres enfrentam múltiplas violências, concretas e/ou simbólicas, que reverberam tanto na produção de conhecimentos quanto em seus processos de subjetivação. 

Hoje, majoritariamente, as mulheres estão nas áreas de saúde e educação, sendo, em contrapartida, minoria nos cursos de exatas e nas engenharias. Tal disparidade é social e discursivamente construída e reforçada, tendo seus primórdios no ensino fundamental, baseada na propagação da ideia de que as mulheres possuem desvantagens em termos de raciocínio lógico e matemático, em comparação aos homens. A carência de representatividade feminina nas ciências exatas diminui a ocupação em tais espaços. Como consequência, profissões de maior prestígio social continuam associadas aos homens. Esse lugar de poder reforça a divisão sexual do trabalho, além de dar manutenção aos estereótipos sexistas, fazendo com que as mulheres permaneçam em profissões relacionadas ao cuidado que, comumente, são mal remuneradas, desvalorizadas e entendidas como extensões de “obrigações femininas”. 

No artigo O quanto vale a dor? Estudo sobre a saúde mental de estudantes de pós-graduação no Brasil, Costa e Nebel discorrem (2018) sobre o sofrimento mental entre pesquisadoras/es em formação (67% de mulheres), vinculadas/os a diferentes instituições nacionais de ensino superior. Entre os dados obtidos no estudo, é predominante a presença Transtornos Mentais Comuns, que são caracterizados por quadros ansiosos e/ou depressivos, associados a queixas difusas e sintomas físicos pouco específicos, como: dores de cabeça, exaustão, problemas gástricos, dentre outros. 

Foram também relatadas perturbações do sono, sobretudo, insônia, sendo todos estes prejuízos mais frequentes entre as mestrandas e doutorandas. Em termos epidemiológicos, as mulheres apresentam maior suscetibilidade ao desenvolvimento de determinados padrões de sofrimento mental, isto se deve, em maior ou menor medida, às violências de gênero perpetradas pelo machismo, presente em todos os espaços, inclusive na academia, a qual assedia moral e sexualmente as mulheres no processo de construção de sua carreira acadêmica.

Isso sem falar em mulheres trans, negras, indígenas, e pobres que nem sempre têm visibilidade nesses estudos e sofrem com o acesso à universidade e, quando nela, tem processos singulares de vivência do sistema de opressão e desigualdade.   

Frente à atual conjuntura política e econômica nacional, vemos um projeto perverso da educação brasileira, que exclui e discrimina mulheres, avançar a passos largos e afetar diretamente o nosso potencial científico. Diante de tamanha precarização e violência é urgente problematizar a produção social de saúde/sofrimento psíquico entre grupos historicamente oprimidos como as mulheres trabalhadoras intelectuais em formação. 

Dia 11 de fevereiro se comemora o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Nesse dia é bom lembrar dos muitos avanços conquistados, mas também é hora de destacar as realidades vividas e os muitos desafios precisam ser superados a cada dia diante de um sistema ainda predominantemente sexista.  

 

1Doutoranda em Psicologia da Unesp – Assis  

2Docente da Unesp – Assis

Membros do Grupo de Pesquisas Psicologia, Coletivos e Culturas Queer

 

Referências

GARCIA DA COSTA, Everton, & NEBEL, Letícia. (2018). O quanto vale a dor? Estudo sobre a saúde mental de estudantes de pós-graduação no Brasil. Polis (Santiago), 17(50), 207-227.

LETA, Jacqueline. (2003). As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso. Estudos Avançados, 17(49), 271-284. 


Imagem de destaque: Dhiraj Gursale / Pixabay 

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