Os IFETs e a Reforma do Ensino Médio

Wojciech Andrzej Kulesza

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia reúnem hoje as melhores condições objetivas para se contrapor ao chamado Novo Ensino Médio, mudança autoritária efetuada pelos governos brasileiros dos últimos anos, na educação da mocidade. Utilizando-se da concepção do escolanovismo como mera adequação da escola às transformações sociais em curso, essa reforma, imposta à revelia de pesquisadores, professores e estudantes, tem sido, ironicamente, abreviada como NEM pela burocracia do MEC, uma vez que ela tinha como alvo propalado eliminar o grande número de estudantes que NEM estudavam e NEM trabalhavam. Orientada pela submissão do currículo escolar, direta e imediatamente, ao mercado de trabalho, essa reforma retoma as motivações da malograda lei 5692 aprovada durante a ditadura que pretendia profissionalizar definitivamente o ensino médio.

Ciosos de suas origens como Escolas de Aprendizes Artífices há mais de 100 anos, os Institutos sempre lidaram com a complexa relação entre trabalho manual e trabalho intelectual no ensino, sempre tendo como horizonte a formação integral (omnilateral) dos estudantes. Voltada no início para a luta contra o forte preconceito existente na sociedade brasileira para com o trabalho manual, herança do período escravocrata, mas que ainda permanece vivo na estrutura social, a comunidade dos Institutos têm resistido ao longo do tempo à tentativa classista de desconsiderar o seu complexo trabalho de formação. Firmes na senda de buscar uma formação integral de seus alunos, seus docentes têm repudiado as concepções elitistas que chegam a tratar os egressos dos cursos dos Institutos de meros “apertadores de parafusos”.

As antigas escolas de aprendizes evoluíram para escolas técnicas, centros de formação técnica e hoje, em sua maioria, são verdadeiras universidades tecnológicas, com cursos de graduação e pós-graduação, acrescentando invariavelmente ao ensino, as indissociáveis pesquisa e extensão. Seus alunos, quando são submetidos aos diversos instrumentos de avaliação, vira e mexe tem ocupado os primeiros lugares, no ENEM, nos vestibulares e também no Provão. Empenhados diretamente na construção de uma ciência e tecnologia nacionais, seus pesquisadores têm dinamizado o campo da inovação tecnológica graças à não dicotomização entre o trabalho manual e intelectual, lição constantemente reiterada nas atividades didático-pedagógicas dos Institutos. Presentes em todos os Estados, seus campi se espalham por todo o território brasileiro, interiorizando o ensino, historicamente centralizado nas capitais.

Todo esse background acumulado justifica e legitima sua resistência ao NEM, seja pela recusa em sua implementação plena e pela manutenção dos projetos político-pedagógicos de seus cursos, seja pela oposição constante aos desdobramentos da reforma nas instâncias decisórias do MEC. Adotado entusiasticamente pela grande maioria das escolas privadas – encantadas com as possibilidade de novas matrículas – e apenas tolerado nas escolas públicas – onde estuda a maioria dos alunos do ensino médio – graças à promessa implícita de viabilizar o ensino de tempo integral, o NEM não tem uma relação orgânica com o sistema escolar. Como toda reforma lançada de cima para baixo, o seu destino implacável já está traçado. Mais cedo ou mais tarde ela será inexoravelmente extinta. Para reduzir o mal que ela faz, felizmente, os Institutos estão cuidando de acelerar esse processo.

O NEM e a correspondente Base Nacional Comum Curricular, reeditam as propostas dos anos 70 do século passado de um currículo mínimo (isto é, apressado), desenvolvido de forma integrada e abarcando todas as disciplinas de uma determinada área de conhecimento. A ideia era que os professores das disciplinas da área de Ciências da Natureza do colégio, por exemplo, fizessem em conjunto um planejamento de modo a integrar suas disciplinas em torno de temas relevantes, desenvolvendo-os por meio de metodologias adequadas tais como método de projetos, estudo do meio etc. Muito bonito, mas completamente inviável dadas as precárias condições oferecidas para o trabalho docente. Depois pensaram que o problema era a formação concentrada no conteúdo único de cada disciplina, surgindo assim a licenciatura generalista em ciências, atormentada desde o início pelo clássico dilema: se o especialista acaba por saber cada vez mais sobre nada, o generalista acaba por nada saber sobre tudo.

Desta vez, entretanto, a reforma está sendo implementada pela utilização de vários instrumentos institucionais que atuam por meio do conhecido mecanismo de só liberar recursos para as escolas que se comprometessem com a mudança. No ano letivo de 2021 começam a ser utilizados os primeiros livros didáticos produzidos de acordo com as diretrizes do NEM. Com títulos como Projetos Integradores ou Projetos de Vida, estes livros seguiram efusivamente a orientação dada pelo MEC e, naturalmente, não são adequados para o ensino integrado praticado nos Institutos, cujos alunos ficariam assim privados de receber os materiais didáticos do governo. Ou seja, o Plano Nacional do Livro Didático está sendo utilizado para tentar impor a reforma à força nas escolas que a criticam. Premidos pelos prazos, os docentes estão travando uma dura luta, muito embora tenham a seu favor as fragilidades da reforma.


Imagem de destaque: IFET

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