O(a) brasileiro(a) médio tacanha e a passividade quanto a ditadura militar

Tiago Tristão Artero

 

Quanto mais alienante melhor. Na busca pela preservação da sociedade do capital, justifica-se qualquer barbárie em torno da manutenção do status quo. “Capitalism wins” traz a retórica do medo de mudança. A(o) trabalhadora(o) não se reconhece como tal (ou seja, como trabalhador), dessa forma, aceita o trabalho alienante. A classe média reconhece-se como elite, num palco em que uma minoria extrema detém os recursos em detrimento de uma maioria e a decisão sobre os caminhos pelos quais o capitalismo trilhará. Que fique claro que essa minoria não é a classe média embora o brasileiro médio tacanha perceba-se como detentor de um poder advindo de seu merecimento. Quando a palavra de ordem é “mudança não”, ou ainda “mudar só se for para voltar ao que era antes”, a reflexão que se engendra é que a verdadeira mudança necessita acontecer na origem dos problemas, já que os efeitos colaterais por vezes são combatidos sem alterar as bases materiais geradoras da miséria. Até porque combater os efeitos de uma sociedade que se alimenta da desigualdade e ignomínia humana significa colocar mais água em uma mangueira cheia de buracos (só para aproveitar a metáfora usada pelos conservadores, quando referem-se aos cortes de gastos em educação).

Todos estamos sujeitos às incoerências do nosso tempo histórico. O medo da mudança é tanto que fala-se sobre meio ambiente sem que ocorra mudança nos hábitos. Reclama-se da sociedade de consumo, consumindo cada vez mais, na medida dos recursos financeiros. O ideal cooperativo cede lugar ao egoísmo cego. Muita das vezes, sem perceber, apegamo-nos à meritocracia para sentirmo-nos melhor, com a condição de que nossos pares não estejam melhores que nós, ou, ainda pior do que isto, satisfazemo-nos percebendo que o outro está pior. O costume chulo de mercantilizarmos nossas relações sociais a partir de princípios mercadológicos faze-nos interesseiros. Muita das vezes, nosso raciocínio e mesmo a interpessoalidade são praticados a partir de manobras relacionais direcionadas para a conquista de determinada vantagem. O princípio mercadológico que se insere em nossas relações sociais nos aponta caminhos que, tanto no labor, quanto no tempo livre, nos conduzem na trilha da busca pelo sucesso e realização pessoal (certamente, determinada pela sociedade de consumo na qual vivemos). É preciso entender o quanto esta sociedade fere nossa humanidade para que não sejamos, nós, o brasileiro médio tacanha.

Práticas colaborativas ou cooperativas são prontamente descartadas e, não raro, combatidas porque contrariam os princípios da competição e da meritocracia. Quando as diretrizes de uma sociedade conduzida por políticas neoliberais não contrariadas, logo há hostilidade e criminalização dos que fazem o ponto fora da curva. Este mecanismo é frequentemente implantado a partir das inúmeras possibilidades nas quais a burocracia ou a legalidade tecnicista promovem. A lei é aplicada e/ou está a favor de quem se adequa e não diverge. Mesmo no caso em que determinada ação ocorra dentro da lei (como, por exemplo, ocorre com o MST, MTST e, pasmem, na própria prática docente), se contrariar os interesses da sociedade do capital, logo será repreendido ou criminalizado, num movimento que Gramsci chama de consenso e/ou coerção (neste último caso, com o uso da força). O poderio militar e a vastidão do mundo bélico no qual vivemos, ilustra bem o uso da força, sendo que aquele que enxerga o diferente como doente ou criminoso é capaz de aceitar sua retaliação das mais diversas ordens, mecanismo comum no período após o Golpe de 64.

Não há espaço sem repreensão, em nossa sociedade, para ações que implementem outras formas de relações sociais de maneira harmônica. Sempre se levantarão opositores para frear movimentos que buscam humanizar o sistema de capital no qual vivemos. Quando há o uso da força (como vemos diariamente e, mais fortemente, pudemos perceber a partir do Golpe de 1964), juntamente ocorre a aceitação de que sempre há um inimigo, de que algo “muito ruim” poderá acontecer e o status social está ameaçado a se modificar. Com essa crença fica mais fácil tolerar ou promover perseguições, mortes e repreensões sob a justificativa de que determinado indivíduo era inimigo da nação ou contrariava os interesses do estado. Atualmente vemos a materialização deste mecanismo nos defensores do “Escola sem Partido”, ou melhor, dos defensores da escola com partido único. A passividade deste tipo de brasileiro o mantém refém da sua própria ignorância e promove a aceitação de qualquer método que o mantenha na zona de ignorância. Outrora, o estado agia no âmbito da ditadura militar para manter uma ordem superficial.

O brasileiro médio tacanha não teve tempo (ou condução docente) para refletir sobre algo basilar a respeito de sua formação política ou de outros temas e, a todo momento, enxerga ameaças sobre seu patrimônio “conquistado”. Viver significa “vencer na vida”, adequar os outros a “normalidade” imposta, numa passividade que engessa qualquer movimentação em busca de uma nova sociedade. Enxerga a babá, o jardineiro, o piscineiro, dentre outros trabalhadores que desempenham trabalhos braçais como indivíduos sem mérito, merecedores da condição de pobreza que vivem e mesmo da falta de direitos que estão sujeitos. Por isso não se importa com a garantia da dignidade destes profissionais. Isso porque um representante da classe média e da classe alta necessita dos(as) trabalhadores(as) braçais (e também de profissionais que, mesmo sem desempenhar trabalho braçal recebem pouco) no ambiente doméstico ou na empresa para cuidar dos filhos, da casa, dos serviços que julga “menores”. Nesse contexto aceitar que o pobre pode deixar de ser pobre, que terá que cuidar da própria casa e da própria família, que dividirá o avião com técnicos, faxineiros(as) e balconistas faz o brasileiro médio tacanha ficar horrorizado.

Muitos destes indivíduos usam, inclusive, a religião para justificar as diferenças sociais e implantar em sua própria mente, e na mente de seus filhos, que as coisas são assim mesmo e há quem nasceu para isto ou aquilo. Usam suas crenças, inclusive, para escolher ou aceitar quem é merecedor da piedade ou impiedade de um regime autoritário… não vai contra… não ousaria sair da zona de conforto para empreender esforços por igualdade ou liberdade, pelo contrário, dá força a este tipo de regime. A naturalização das diferenças sociais e a aceitação permanente das contradições configuram-se como um vandalismo sem igual praticado por este tipo de brasileiro. Com este tipo de psiquismo fica fácil criticar os que desestabilizam o status, seja com atitudes que desafiam os costumes morais naturalizados a fim de manter cada poder em seu lugar, seja com questionamentos sobre o mundo, a sociedade e a boçalidade dos hipócritas.

Dessa forma, o brasileiro médio tacanha idolatra a competição, pois assim aprendeu que deve ser o mundo (mesmo quando ele também está entre os perdedores, ainda que não perceba) e repele os mecanismos de justiça social que buscam inserir outras necessidades de interação e de organização humana, sejam elas do ponto de vista econômico, moral ou espiritual. O brasileiro médio tacanha é medroso e por isso é egoísta, é hipócrita e por isto é moralista, é inseguro e por isto é violento e bélico. Não sejamos nós esse tipo de indivíduo pequeno que mantém e dá força às maiores atrocidades, que aliena-se e aliena aos outros, e não contribui para a humanização da sociedade.


Imagem de destaque: Ben Rosett/Unsplash

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