O vírus do medo é também o vírus da mobilização

Rafaella Fortini Grenfell e Queiroz¹

Se o novo coronavírus veio com sua capacidade de provocar estragos com tamanha brevidade, veio também com habilidade recorde de despertar coragem, união e mobilização em muitos de nossa sociedade. Profissionais das mais diversas capacitações se dispuseram a desafiar suas habilidades e dar as mãos uns aos outros para que respostas viessem silenciar as inúmeras perguntas que não param de surgir. Ao passo que pacientes hospitalizados ou em home care igualmente motivados em contribuir nesse senso passaram a aderir fortemente às pesquisas científicas e clínicas. 

Empresas, indústrias, centros de pesquisa, universidades e hospitais não se omitiram do trabalho conjunto e hoje caminham com maior e mais notável união. Esse é o caso da Fiocruz Minas em seus muitos estudos voltados a Covid-19. Dentre as linhas trabalhadas, destaco três frentes, a saber: 1) avaliação imunológica e sintomática na infecção, no pós-doença e no pós-vacina, 2) diagnóstico e 3) sequenciamento de novas variantes do vírus.

Com acesso integral a alas e setores de hospitais de Belo Horizonte, desde março de 2020, estamos acompanhando pacientes internados com Covid-19, casos leves, moderados e graves. Os pacientes são acompanhados por seis meses, sendo avaliados a cada dois dias por nossa equipe durante a internação. São hoje mais de 800 pacientes acompanhados e tantos mais em acompanhamento. Este acompanhamento tem nos permitido desenvolver novos métodos de diagnóstico, produzir anticorpos monoclonais humanizados para uso em testes de identificação e neutralização do vírus e avaliar testes de diagnóstico já comercializados de forma a definir os critérios de utilização dos mesmos. 

Nesta conduta, os testes são fornecidos pelas empresas e indústrias, aplicados por nossa equipe e equipe hospitalar para que, ao final, os resultados estejam disponibilizados aos hospitais e aos pacientes. Os resultados são simultaneamente enviados à Organização Mundial de Saúde com a conclusão de aplicação de cada um deles. Assim sendo, são realizados testes RT-qPCR para detecção de partes genéticas do vírus, testes de detecção de proteínas do vírus e testes de detecção de anticorpos totais e anticorpos neutralizantes, em amostras diversas como saliva, nasofaringe, nasal e sangue. Os hospitais parceiros têm adotado nossos pareceres na conduta interna com relação a quais testes são utilizados na triagem, quais são determinantes de infecção aguda, quais devem ser utilizados no pós-doença, assim como os tempos certos em que devem ser empregados, minimizando custos e ampliando a agilidade na internação dos pacientes nas alas isoladas ou conjuntas.

Esse acompanhamento, feito por meses, permite a identificação de sequelas e sintomas remanescentes no pós-doença, muitos dos quais com impacto na qualidade de vida do paciente. Com esses dados, adicionados aos dados clínicos, epidemiológicos, exames e protocolos de tratamento adotados na internação, fazemos a correlação desses com prognóstico, morbidade e mortalidade em uma análise de predição.

Diante da identificação de pacientes e profissionais recebendo a vacina para a Covid-19, desde janeiro deste ano, iniciamos a determinação da resposta imunológica em diferentes tempos de pessoas vacinadas com história prévia ou não de Covid-19. O acompanhamento neste ponto envolve igualmente a realização de diferentes metodologias e testes para uma definição de resposta imunológica abrangente. Temos hoje mais de 1090 pessoas vacinadas em monitoramento.

Por fim, e não menos importante, estamos empenhados em identificar as variantes do vírus que circulam em Belo Horizonte. Muitas equipes e pesquisadores da própria Fiocruz Minas estão unidos nesse objetivo, em conjunto com os hospitais parceiros. Este movimento nos leva a pacientes acometidos com Covid-19, de formas leve a grave, de diferentes idades e características e nos permite coletar amostras de nasofaringe que são, após processamento, analisadas por sequenciamento genético de nova geração. Todas as variantes identificadas são depositadas no banco de dados mundial do coronavírus, o chamado GISAID. Trata-se de importante trabalho que já foi iniciado e começa a gerar seus primeiros resultados.

Finalizo afirmando que essa crise sem precedentes na história recente da humanidade, mais do que nunca, demanda a união entre setores público e privado para seu enfrentamento. Neste momento em que o Brasil e o mundo vivem a pandemia do coronavírus, a Fiocruz Minas segue forte em seu trabalho, tendo iniciado os primeiros estudos já no primeiro momento possível. 

A diversidade de ações aqui apresentadas está voltada ao melhor entendimento da doença e suas consequências, da conduta e cuidados para com os pacientes, da forma de identificação do vírus e a resposta por ele desencadeada, assim como pelas novas vacinas, e demonstra a força do trabalho em equipe. Perguntas ainda sem respostas continuarão a ser o maior fator de motivação para o engajamento dos grupos de pesquisa em nossa instituição.

 

1Pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz


Imagem de destaque: Josué Damacena / Divulgação Fiocruz

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