O teatro de Nelson Rodrigues 

Alexandre Azevedo

Nelson Falcão Rodrigues nasceu em Recife (PE), em 1912, mudando-se para o Rio de Janeiro ainda criança. Filho do jornalista Mário Rodrigues, proprietário de “A Manhã”, jornal que serviu de base para que Nelson Rodrigues se tornasse um jornalista. Teatrólogo, contista, cronista e romancista, “o anjo pornográfico”, como se autodefiniu, tornou-se um combatente mordaz das mazelas sociais, granjeando fama de “escritor maldito”. Nelson Rodrigues, ao lado de Jorge Amado, é o autor brasileiro mais adaptado para o cinema e para a televisão. Sobre a sua produção literária, confessou: Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (desde menino).

A produção teatral de Nelson Rodrigues foi assim dividida pelo crítico de teatro, Sábato Magaldi: Peças psicológicas: A mulher sem pecado; Vestido de noiva; Valsa nº 6; Viúva, porém honesta; Anti-Nelson Rodrigues. Peças míticas: Álbum de família; Anjo negro; Doroteia; Senhora dos afogados. Tragédia cariocas I: A falecida; Perdoa-me por me traíres; Os sete gatinhos; Boca de Ouro. Tragédia cariocas II: O beijo no asfalto; Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária; Toda nudez será castigada; A serpente.

Na apresentação da obra Teatro completo de Nelson Rodrigues, Sábato Magaldi explica o porquê dessa divisão, que a considerou didática: “As peças psicológicas abordam elementos míticos e da tragédia carioca. As peças míticas não esquecem o psicológico e afloram a tragédia carioca. E essa tragédia carioca assimilou o mundo psicológico e o mítico das obras anteriores. Poucos dramaturgos revelam, como Nelson Rodrigues, um imaginário tão coeso e original, e com um espectro tão amplo de preocupações psicológicas , existenciais, sociais e estilísticas.”

A segunda fase do Modernismo brasileiro estende-se de 1930 a 1945, período em que, historicamente, talvez tenham ocorrido as maiores transformações do século XX. No plano internacional, a década inicia-se com a depressão econômica que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, o avanço do nazifascismo e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler invade a Polônia, no ano de 1939. No Brasil, Getúlio Vargas, levado ao poder pela Revolução de 1930, consolida-se como ditador, no Estado Novo. Inconformados com a perda do poder, os paulistas desencadeiam a Revolução Constitucionalista de 1932. Ainda nessa época, crescia a ideologia fascista, manifestada pelos seguidores de Plínio Salgado (escritor, participante da Semana de Arte Moderna em 1922), fundador da ANL (Aliança Nacional Libertadora). Agindo na clandestinidade, após ter sido fechada pelo governo federal, a ANL tenta uma revolução que, em 1936, é acompanhada por revoltas populares, que serviam de pretexto para consolidar o regime. Em novembro de 1937, há o fechamento do Congresso Nacional e a decretação do chamado Estado Novo. Esse foi um período antidemocrático, anticomunista, em que Getúlio Vargas exercia um poder ditatorial e centralizador, até que, em 29 de outubro de 1945, pressionado, renuncia. No cenário mundial, a Segunda Guerra termina tragicamente com a rendição alemã, expondo ao mundo as atrocidades do governo nazista contra os judeus.

Muitos consideram o padre José de Anchieta, catequizador do século XVI, o introdutor do teatro nacional. Dentre as suas poucas obras, influenciadas pelo teatro de Gil Vicente, destaca-se o Auto na festa de São Lourenço. Entretanto, o teatro anchietano é mais didático (catequético) do que propriamente literário. Com o desaparecimento do padre José de Anchieta, o teatro no Brasil praticamente também desaparece, só reaparecendo no século XIX, época do Romantismo, quando poetas e romancistas sentem-se motivados a escrever peças de teatro, já que, com a fixação de dom João VI no Rio de Janeiro, surgem as primeiras construções para a encenação dessa bela arte. Entretanto, é com o romântico Martins Pena, introdutor da comédia brasileira (1838), com O juiz de paz na roça, e, posteriormente, com Artur Azevedo (O bilontra) e França Júnior (Assim se fazia um deputado), ambos do nosso Realismo, que o teatro se consolida em nosso País. Já no século XX, principalmente na década de trinta, dois autores inovam, fortalecendo-o ainda mais, Nélson Rodrigues, autor de Vestido de noiva, e Joracy Camargo, autor de Deus lhe pague. Na geração seguinte, isto é, a de 45, destacam-se, além de Dias Gomes, autores e obras como Giafrancesco Guarnieri (Eles não usam Black-tie); Pedro Bloch (As mãos de Eurídice); Jorge Andrade (A moratória); Plínio Marcos (Dois perdidos numa noite suja); Maria Clara Machado (O Pluft, o fantasminha) e Ariano Suassuna (Auto da Compadecida).

Inovador do teatro brasileiro, Nelson Rodrigues é considerado um dos mais importantes teatrólogos do século XX. Reacionário, causador de polêmicas, maldito, alvo de injúrias e ataques inflamados, o auto de Vestido de Noiva, Álbum de família e Anjo negro teve a coragem de dizer o que muita gente queria ter dito. Difícil encontrar, nos séculos anteriores, um dramaturgo onde Nelson Rodrigues pudesse ter bebido de sua fonte, talvez no incompreendido Corpo-Santo, figura esdrúxula do século XIX, autor de 17 peças de teatro, escritas de janeiro a junho do mesmo ano. Encontramos em sua produção, temas explorados por ele, como, por exemplo, o pseudomoralismo, o homossexualismo, o machismo, a prostituição, o adultério, etc. Preocupado em mostrar “ a vida como ela é”, Nelson Rodrigues cumpriu a principal função de um escritor engajado com o seu tempo: criticar uma sociedade hipócrita, nem que para isso tivesse que pagar caro, dando sua cara à tapa. Vale a pena lembrar que o escritor nunca recebeu um prêmio por sua produção teatral. Mas que prêmio maior que a imortalidade?! Importante também é que Nelson Rodrigues fez escola, influenciando outro grande escritor dramático, apesar deste ter optado por explorar uma classe social inferior e uma linguagem mais baixa: Plínio Marcos, o autor, dentre outras, da espetacular peça, Dois perdidos numa noite suja.

Em uma entrevista concedida ao crítico teatral, Sábato Magaldi, para o Jornal da Tarde de São Paulo, Nelson Rodrigues comentou sobre o conflituoso relacionamento amoroso: “Desde garoto que me preocupo com a eternidade do amor. Quando sei que um vago casal se separou, sofro com isso. É quase uma dor pessoal, quase uma ruptura na minha vida. Mas as pessoas se separam porque realmente não amavam. Agora mesmo, aos 61 anos de idade, acho que a pior forma de adultério é a da viúva que se casa novamente”.

Nelson Rodrigues morreu em 1980, aos 68 anos de idade. O certo é que, independentemente de amá-lo ou odiá-lo, Nelson Rodrigues continua sendo atual e, pelo “andar da carruagem”, continuará por séculos e séculos.

Para saber mais 
Rodrigues, Nelson. Teatro completo de Nelson Rodrigues – peças míticas Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 6ª impressão, 1981.


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