De(m)bate Eleitoral

Paulo Hallack

— Muito bem, muito bem! Um pouco de silêncio, por favor? Ótimo! Vamos dar início, agora, ao último ato que precede as votações… Como vocês sabem, desde agosto, vocês estão em campanha para a presidência do grêmio estudantil da nossa escola e hoje será o debate final entre aqueles que concorrem ao carg…

— Vai lá, Lelê… Uhuuuuu

— Calma, gente. Calm…

— Vai lá, Adolfinho! Força aí!!!!

— Ótimo! Ótimo! Como vocês já anteciparam…temos duas pessoas candidatas ao cargo, o Adolfo, atual presidente do grêmio e a candidata Helena. Assim, sem mais delongas, eu, Diretora Fernanda, na qualidade de presidenta da junta eleitoral, chamo a Helena para iniciar su…

— É… diretora?

— Pois não, Adolfo.

— Por que ela vai falar primeiro?

— Porque ela ganhou no par ou ímpar.

— Eu sei, eu sei…eu até concordei, mas, pensando bem, não seria mais justo se tivéssemos outra forma de escolher quem vai falar primeiro? Eu estava vendo na internet, agorinha mesmo, que existem formas de burlar esse, digamos, método…

— É mesmo, Adolfo?

— Sim… sei lá, poderíamos usar uns papeizinhos com os nossos nomes e…

— Adolfo!

— Sim?

— Já discutimos isso, pelo menos, mil vezes!

— Mas os colegas têm o direito de saber que um par ou ímpar pode ser adulterado…e digo mais!

— Meu De…

— Nesse par ou ímpar que disputamos, eu pedi ímpar e nós dois mostramos as mãos fechadas, consequentemente…

— Consequentemente… deu zero, Adolfo!

— E zero é…

— Par, não é mesmo, Adolfo!?

— Será?

— Será, Adolfo? Será? Espere aí… espere aí… Márcia, Professora Márcia?

— Sim, Diretora!

— O Adolfo é seu aluno de matemática, certo?

— Certo!

— Já foi discutido, em sala de aula, a questão de o zero ser um número par?

— Já, Diretora, ontem mesmo! E foi, justamente, analisando as regras do par ou ímpar

— E…

— E, expliquei, para a turma inteira, o porquê de o zero ser par!

— Pronto, já que a questão foi analisada e o candidato tem ciência de que o zero é par…

— Humpf… ciência… a ciência nunca é exata… além disso deveria ter sido no dois ou um.

— Para dois candidatos, Adolfo?

— Mas éramos três…

— O Henrique desistiu…

— Não aceito isso… desistiu. Desistiu por quê?

— Desisti porque vou votar na Lelê!

— Mas, você nem é amigo dela! Você joga bola comig…

— Adolfo! Adolfo! Olha, vou ter que intervir, como presidenta da junta eleitoral vou dar início ao debat…

— Peraí! Peraí! Vamos discutir isso, a senhora acha justo acumular o cargo de diretora e pre-si-den-te da junta eleitoral?

— Adolfo, o que está acontecendo com você? Primeiro, você sabe muito bem que isso está previsto no estatuto do grêmio e em todas as eleições da escola tem sido assim. Segundo, quando você foi eleito sequer discutiu isso!

— Sim, tem razão, não discuti, mas eu fui candidato único! Nem a Helena quis se candidat…

— Dá licença!? Eu queria me candidatar, sim! Só não me inscrevi porque estava presa dentro do ônibus! Um engarrafamento maluco e o motorista tinha a convicção que não poderia, sequer, desviar um quarteirão para pegar uma rota mais livre! Assim, nem consegui vir à aula naquele dia e perdi o prazo…

— Boa desculpa…inclusive, seu, agora melhoramigo, Henrique, nunca acreditou nessa história…ele me contou, outro dia, num jogo…

— Olha aqui! O Henrique não é meu melhoramigo! Inclusive, pensamos diferente sobre muitas coisas, tá bem!? Olha só, eu acho que o time de futebol deve ser misto, ele acha que tem que ter o time das meninas e o time dos meninos, enquanto você…

— Acho que só tem que ter o time masculin…

— Eu acho que temos que ter mais professores e professoras, o Henrique acha que do jeito que tá, tá bom! E você…

— Acho que temos professores demais.

— Eu acho uma injustiça terem demitido o professor José, o Henrique também…

— Eu acho que já foi tarde.

— Eu penso que os uniformes poderiam ter mais opções de cores, para o Henrique o cinza está bom…

— Concordo com você! Detesto o cinza, desde que seja azul para os meninos e vermelho para as meninas.

— Ou seja, eu e o Henrique não temos o mesmo pensament…

— Mas, eu e a Lelê pensamos diferente de você! Por isso desisti e declarei meu voto pra ela!

— Tá bom, tá bom…vocês melhores amigos que se entendam, mas quero deixar claro que se eu perder as eleições por conta de um par ou ímpar…isso não vai ficar barato!

— Adolfo! Chega! Debate é uma coisa! Mas colocar dúvidas sobre o sistema eleitoral, do qual você já participou nas últimas eleições e ameaçar a harmonia e a paz da escola é outra coisa! E olha, a junta eleitoral, composta por seus colegas, até pensou em impugnar sua candidatura, mas optou por confiar no bom senso do eleitorado e decidiu por mantê-lo candidato. Dessa forma, como presidenta da junta declaro que o debate foi concluído e, de acordo com o estatuto, dou início à votação, assim: os eleitores do Adolfo, por favor, se coloquem à minha direita…


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